Até ao Fim

Não existe dom mais fácil de explodir que o da paixão, nem dom mais difícil de controlar que o do amor. A paixão é veloz, letal, cirúrgica, desmedida, destemperada, exagerada, descontrolada, impensada, irresistível.

o amor, pelo contrário, requer sobretudo esforço, trabalho, abnegação, espera, altruísmo, sentido de missão e espírito de sacrifício.

um grande amor nunca é espontâneo, escreveu agustina acerca da história de pedro e inês. sobre o amor dos heróis mais românticos da história de portugal, fala-se sobretudo da paixão do infante pela dama do colo de garça, cujos atributos físicos de beleza e graciosidade estão bem desenhados na escultura do seu túmulo. inês foi decerto muito bela e pedro amou-a certamente depois da morte, mas muitas vezes me pergunto como seria a vida desta mulher? provavelmente muito parecida com a de todas as mulheres que se entregam a um grande amor.

normalmente, o que mais fazemos em tais circunstâncias é sonhar e esperar. sonhar com o presente que estamos a viver, para que nenhum instante se perca enquanto projectamos um futuro que queremos sereno, completo e perfeito, e depois esperar que tudo aconteça. e é nessa espera que tudo se joga e que tudo se vai ganhando, ou perdendo.

há quem não saiba esperar e há quem espere tempo demais. cada história de amor tem o seu tempo, o seu modo, a sua alquimia. dar tempo e espaço ao amor para crescer pode ser bem mais sensato do que sonhar que basta um instante apenas para mudar a nossa vida para sempre. mas, às vezes, o coração corre mais depressa do que nós e somos nós que temos de o deter para lhe implorar «mais devagar, mais devagar». outras vezes, queremos avançar e o coração, cansado, ferido, partido, desarranjado, pede-nos «ainda não, ainda não». e o coração fala sempre mais alto do que a razão, mesmo quando é a razão que tem razão.

amor e paixão são isto mesmo, um turbilhão complexo e intrincado de mil e uma coisas, muitas delas contraditórias e por vezes incompatíveis. mas enquanto a paixão se pode desfazer no espaço de uma noite, o amor perdura porque se entranha nas veias, circula no sangue, o mesmo sangue que alimenta todas as células de todos os órgãos e de todos os músculos de um só corpo. a paixão é a seta do cupido, o amor é como um tsunami interno: quando chega, chega a todo o lado e leva tudo à frente.

há mais de 20 anos que escrevo semanalmente sobre o amor, há mais de dez que publico romances de amor e sinto que cada vez sei menos sobre o assunto. serei boa conselheira, é certo, os meus leitores sublinham-me, citam-me, comentam entre si o que escrevo e julgam-me sábia, perita, uma guru do amor. mas, na verdade, pouco mais sei sobre o amor do que os meus pais me ensinaram, não com discursos, mas com acções. com eles aprendi que amar é ouvir, dar, construir, partilhar, condescender, sonhar, amparar, proteger, calar quando é melhor e falar mais alto quando é preciso, mas sempre sem medo, sempre de peito feito e de coração aberto, na saúde e na doença, para o bem e para o mal, até ao fim do mundo.