Crise de auto-estima

Muito se tem falado e se irá falar na crise. Haverá ideias mais ou menos revolucionárias, os argumentos tenderão a radicalizar-se e muitos nervos ficarão à flor da pele dos intervenientes. Já se sabe que é inevitável os ânimos aquecerem, até porque há quem tenha verdades absolutas e há quem desconfie de tais certezas.

há dias falava com um amigo da restauração que me dava a sua visão da forma como o sector está a conseguir dar a volta à crise. segundo disse, os principais responsáveis dos hotéis algarvios combinaram entre si apresentar, lá fora e cá dentro, um pacote de férias bastante atractivo para os veraneantes. com preços muitos convidativos, choveram rapidamente pedidos de reserva, quer do estrangeiro, quer de portugal. à medida que a procura aumentava, também os preços acompanhavam essa tendência, acabando os custos de alojamento no algarve por ficarem mais caros em finais de agosto do que no início do mês – como se sabe, costuma ser o contrário. os exemplos positivos devem ser seguidos e deve-se fugir dos discursos fatalistas. as empresas onde tal estado de alma se encontra instalado raramente têm um futuro brilhante.

vem esta conversa a propósito de uma entrevista que vi na televisão a um produtor de cereais, que explicava a razão de este ser o ano com menor produção nacional. chamou-me a atenção o entrevistado ter dito que quem investe nos cereais deve pensar no exemplo do calçado português. mais coisa menos coisa, disse o seguinte: «há uns anos não havia analista ou comentador político que não anunciasse a morte do sector, atendendo a que haveria uma invasão chinesa e de outros países que passariam a produzir muito mais barato, o que levaria à falência do sector em portugal».

o produtor de cereais recordava que houve quem não acreditasse nessa fatalidade e apostasse na qualidade do design e das matérias-primas, não faltando hoje casos de sucesso. se todos tivessem ido na conversa dos ‘gurus’ económicos e políticos, não haveria fábricas de sucesso em portugal.

é fácil decretar sentenças: veja-se o caso dos fundamentalistas islâmicos. em portugal também não falta quem tenha tantas verdades absolutas. eu, pelo meu lado, acredito que se deve confiar na intuição e que as verdades vão sendo construídas em tabuleiros cada vez mais instáveis. não haverá, seguramente, soluções mágicas, mas se continuarmos a cultivar o pessimismo será bem mais difícil o país sair da situação em que se encontra.

além disso, quantas previsões de grandes analistas não foram já desmentidas pelo tempo?

vitor.rainho@sol.pt