e, no entanto, o que o ministro ameaça fazer é grave, sob vários pontos de vista: mostra que tem a memória curta, é lesivo do interesse público e revela um desrespeito grosseiro por várias entidades envolvidas.
sob a falta de memória: o défice da rtp deve-se à forma irresponsável como o actual pr liberalizou o espaço hertziano no início do segundo mandato como pm: abolição da taxa e venda ao desbarato dos emissores à pt. essa inconsciência custou cara ao país em termos financeiros e de degradação da qualidade da grelha, uma vez que a rtp passou a depender prioritariamente da publicidade e de umas aleatórias ‘indemnizações compensatórias’ baseadas numa ideia peregrina do que seria a prestação do serviço público. anos depois, como era inevitável, guterres agravou-lhe o défice, ao retirar-lhe uma parcela da publicidade (sob pressão dos privados, em risco de falência), sem cuidar de assegurar a sua viabilidade económica.
em segundo lugar, o ministro faz por esquecer que o seu colega morais sarmento já tivera a mesma ideia. também ele nomeou uma comissão de ‘sábios’, mas acabou por recuar a todo o gás quando se apercebeu do crime de lesa-pátria que seria a privatização de um dos canais da rtp.
não cabe aqui explicar em profundidade porque razão seria um acto lesivo do interesse do país alienar a rtp1. mas a notícia de que o estado se propõe ‘limpar’ rapidamente o passivo da empresa antes de a entregar livre de dívidas a um privado é escandalosa. sob o pretexto de que estamos pressionados pelo depta, o principal banco credor, o governo, sem regatear (e tinha margem para isso, como aponta o ex-administrador, ponce leão), abre os cordões à bolsa e oferece-se para pagar a dívida – com o nosso dinheiro! – em menos de dois anos. isto não nos lembra nada?
finalmente, ao anunciar medidas avulsas que vão ter consequências sobre o futuro da empresa, o ministro desrespeita tudo e todos: o contrato de concessão e a própria administração (aparentemente conivente), a comissão, que não é consultada nem sequer informada; e o conselho de opinião da rtp, que tem sido totalmente desprezado nestas decisões.
ninguém explicou até hoje a razão porque o governo se propõe desmantelar a rtp. em 2008 foi aberto concurso para um novo canal generalista na futura tdt. o resultado é conhecido: nenhum dos concorrentes preenchia as condições legais e regulamentares exigidas – nem o mercado poderia suportar uma loucura semelhante. se é, como diz, para ‘transmitir uma imagem real e moderna do país no exterior’, o ministro terá que explicar aos portugueses quanto nos iria custar a rtp-internacional que tenciona privar do seu pilar essencial: a informação e o serviço de programas da rtp1.
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