Campanhas negras

Recordar a escravatura como época de glamour, colocar uma imagem afro nos antípodas da civilização ou publicitar um chocolate como substituto de Naomi Campbell. Os anúncios com interpretações racistas renovam-se e têm na revista Vogue o mais recente foco de tensões.

grandes, redondos, coloridos e «carregados de simbolismo», promovem-se como «um clássico em constante evolução» e exibem-se numa extensa galeria de moda sob o título «brincos de escrava». ou, para que não restem dúvidas de interpretação, brincos de «estilo crioulo» que recuperam «as tradições ornamentais de negras desembarcadas no sul dos eua durante o tráfico de escravos».

a leitura da escravatura como época de glamour, promovida na página online da edição italiana da revista vogue, inaugura o mais recente capítulo de uma já assinalável colecção de protestos contra campanhas publicitárias de sentido racialmente duvidoso.

o movimento contestatário, agora dirigido para a vogue, ganha força nas redes sociais – sobretudo no facebook – e apresenta-se como um poderoso grupo de pressão comercial. capaz não só de arrancar das marcas pedidos públicos de desculpas, como de levá-las a retirar anúncios do mercado.

a dupla consequência não poupou sequer a centenária nivea, que, apanhada numa corrente online de apelo a um boicote mundial aos seus produtos, assumiu o tom ofensivo de uma das suas campanhas. no caso, uma promessa de «re-civilização» publicitada na forma de um creme e ilustrada por um modelo negro que, nesse processo de reconversão, se desfaz de uma cabeça com um look afro para adoptar um estilo mais ocidental. o declarado desencontro entre a comunidade negra e a civilização, mensagem condenada por uma legião de clientes indignados, levou a marca a divulgar um mea culpa no mesmo facebook de tantos ataques.

«esse anúncio nunca será usado novamente. a diversidade e a igualdade de oportunidades são valores fundamentais da nossa empresa», retractou-se a marca, num comunicado iniciado e encerrado com agradecimentos às apreciações do seu público.

o desfecho diplomático – que a vogue resumiu a uma troca de palavras, substituindo brincos de escravas por brincos étnicos e tráfico de escravos por século xviii – repetiu-se noutra controversa campanha de cosmética, agora com a dove no centro da contestação.

a polémica, servida num cartaz que contrapõe um antes e um depois da utilização de um gel de banho, acrescentou um novo ingrediente à discussão: o erro gráfico.

apesar de a imagem apresentar uma mulher branca como o melhor exemplo da utilização do produto e uma mulher negra como o pior, separando-as por outra mulher de traços hispânicos, os responsáveis da marca insistiram na ideia de que todas ilustram o ideal de beleza da marca.

«o problema é que o cartaz não deveria ter um antes, apenas um depois».

o argumento da falha técnica – ensaiado também pela vogue, que remeteu a analogia esclavagista para um desvio de de tradução – deu lugar a um assumido excesso de marketing no caso da cadbury.

sob o mote «há uma nova diva na cidade», a marca de doces lançou um chocolate como quem anuncia um substituto de naomi campbell.

a comparação da eterna top model a uma barra de chocolate – que a marca garantiu não ter qualquer inspiração na cor do cacau _– acabou entre ameaças de um processo judicial.

«chocada e triste» por ser descrita como um chocolate, naomi denunciou o caso como «mais uma ofensa contra as mulheres e a comunidade negra».

quase três meses depois da controvérsia, as palavras da discórdia desapareceram das ruas, mas as acusações de racismo contra a marca mantêm-se online.

paula.cardoso@sol.pt