Das duas uma

Há uma espécie de esquizofrenia neste Governo. Confiou as pastas da Cultura e da Educação a dois intelectuais de merecido prestígio.

francisco josé viegas e nuno crato são intelectuais com opiniões sólidas sobre as carências do país nas áreas em que assumem, pela primeira vez, responsabilidades políticas, e que não ignoram que o nosso atraso se deve, em muito, a anos e anos de uma educação dominada pelo obscurantismo, pelo défice da cultura humanista e pela perseguição intelectual.

s empre pensei que a tarefa do titular da pasta da cultura ficava comprometida se não tivesse uma ligação orgânica com os dois pilares sem os quais qualquer esforço de aperfeiçoamento do espírito crítico dos cidadãos seria votado ao fracasso: a educação (ou o ensino, se preferirem) e a tv. se tivermos em conta que os portugueses passam, em média, cerca de três horas e meia por dia diante da tv (sensivelmente o mesmo tempo que dedicam – por ano – a ir ao cinema!), ficamos com a noção da importância que o pequeno ecrã tem para a maioria dos portugueses: quer se queira quer não, é através da tv (e da net) que os jovens e os adultos se informam, consomem ficções e entretenimento e formam o gosto e a opinião. por tabela, o responsável pela pasta da educação e do ensino superior não pode dispensar a tv como elemento que prolonga – ou destrói – o esforço dos professores e dos artistas.

o tripé essencial para o nosso desenvolvimento nesta área devia ser, portanto, a cultura, a educação e o seu prolongamento: a tv. ora, o que surpreende (ou talvez não) é que, ao mesmo tempo que escolheu dois intelectuais de grande craveira para as áreas da educação e da cultura, o governo escolheu para tutelar a tv um ministro que parece ser cada vez mais uma espécie de máquina trituradora a quem passos coelho confiou aquilo a que os franceses chamam a sale besogne de retirar ao estado os instrumentos de soberania que lhe restam em áreas sensíveis como as águas, os transportes ou a tv, para as deixar totalmente nas mãos dos privados, cuja motivação (legítima) é o lucro e não o interesse público.

com um ministro das finanças que mais parece um clone tardio de milton friedman e um primeiro-ministro que acredita em contos de fadas, o ministro relvas arrisca-se a ganhar peso dentro do governo e a comprometer as belas intenções daqueles dois membros do executivo, em áreas tão vitais como são a formação das pessoas e a elevação dos padrões do gosto. de facto, para que serve o secretário de estado da cultura e o ministro da educação quererem melhorar a qualificação dos portugueses se a tv se encarrega diariamente de desfazer esse trabalho? pensar sequer em abrir mão da tv pública, em vez de lhe garantir a independência e os meios, seria destruir as reformas que os responsáveis pela cultura e pela educação tenham a veleidade de querer fazer. como disse há dias adriano moreira, o problema do nosso tempo é que parece ter-se trocado «o valor das coisas pelo preço das coisas».

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