Puxar o tapete

Mandam as leis do bom senso e da experiência não dar crédito a homens que falam muito de amor, que nos dizem ao primeiro encontro que se apaixonaram, ao segundo que somos a mulher da vida deles e, ao terceiro, que fazem planos para o futuro. Depois, ao quarto querem viver connosco para todo o…

para pessoas assim, devia existir um spray – senão repelente ao menos neutralizante –, que anulasse ou retardasse tais criaturas, pela simples razão de que tanta vontade, tanto interesse e tanto empenho podem até ser verdadeiros, mas pouco têm a ver com amor.

claro que todas gostamos de tiradas românticas, de rosas na cama acompanhadas de banda sonora adequada ao momento, de mensagens escritas a perguntar se queremos casar – mesmo quando não queremos – e não resistimos aos clichés mais clássicos, enjoativos e previsíveis como: ‘és a mulher da minha vida’, ‘finalmente encontrei a pessoa certa para mim’, ‘nunca conheci ninguém como tu’, ‘és a mulher mais bonita do mundo’ – mesmo que seja a seguir à mãe dele – ‘foi isto que eu sonhei para mim’, etc.

mas, no fundo, bem lá no fundo, onde acaba o coração e começa a consciência, há uma voz de alerta avisando-nos que se calhar a vida não é bem assim, que o aladino não é nenhum príncipe e que à terceira volta no tapete mágico podemos cair a pique e partir a cara.

o aladino era um tipo ambicioso que queria protagonismo e subir na vida rapidamente e em estilo. vai daí, armou-se em príncipe para conquistar a princesa jasmine, que ao vê-lo todo emproado – mascarado do que não era graças às capacidades efabulatórias do seu amigo génio – não reconhece o rapazinho pobre que com ela se cruzou no mercado e a levou a dar uma volta no tapete mágico.

cada um tem as suas idiossincrasias e eu não escapo às minhas; ver os filmes da disney é uma delas, por isso, desculpem-me a infantilidade do exemplo que é para mim paradigmático. o afoito pedinte, que só possui três encantos, uma carinha laroca, uma lata descomunal e o dito tapete, convida a donzela para um voo romântico. e quando ela hesita, desconfiada com tanta simpatia, ele estende-lhe a mão e pergunta: «will you trust me?». jasmine hesita mais uma vez e por fim arrisca. dão um belo passeio musicado, no fim do qual, quando ele a desembarca na varanda do palácio, já está conquistada. o feitiço foi lançado; a partir desse momento ele pode desaparecer, levar outras a passear, deixá-la pendurada ou mesmo puxar-lhe o tapete, porque ela já foi apanhada.

há quem apregoe que o mais importante numa relação é o respeito, mas para mim é a confiança. porque com ela constrói-se tudo e sem ela nada é possível, nem mesmo o respeito pelo outro. a confiança é como a virgindade, só se perde uma vez, e quando é dada como perdida, não há caminho. é como olhar para trás depois de passar uma porta e a porta já lá não estar. quando há mentiras e manipulações, é porque não há respeito, e quando não há respeito, não há amor. nesses casos, mais vale puxar o tapete antes que nos façam o mesmo e trancar a porta. ou mesmo mudar a fechadura, se for caso disso.