com o apoio da fundação luso-americana, a edel acaba de publicar o segundo volume da colecção ‘portugal na américa’, com um título que me chamou a atenção: vasco da gama, cary grant e as eleições de 1934, de charles reis felix. como se percebe pelo nome, o autor é filho de emigrantes portugueses (açorianos) que, como muitos outros, rumaram à américa no princípio do século à procura de uma oportunidade de vida que o país lhes negava. reis felix nasceu em new bedford, massachussets, em 1923, e aí fez os seus estudos, tendo mais tarde participado como soldado na ii guerra mundial.
o livro, de 2005, é o terceiro de quatro romances que escreveu até agora, e o mais surpreendente é que o primeiro, crossing the sauer: a memoir of world war ii (sobre a sua experiência como soldado) foi publicado em 2002, o que significa que reis felix começou a escrever (ou, pelo menos, a publicar) aos 79 anos de idade! o mais surpreendente não é o caso (inédito) de um escritor começar a escrever numa idade em que outros, muitas vezes, se retiram, mas o facto de estarmos perante um livro extraordinário. e, pelo que li, os outros livros confirmam que estamos perante um talentoso escritor.
rui zink, no prefácio, diz que estamos perante um livro que combina as qualidades da biografia com as do conto e da novela. e tem razão. vasco da gama, cary grant e as eleições de 1934 (o título, extravagante, traduz exactamente aquilo de que o livro trata) é, ao mesmo tempo, uma biografia – as memórias da infância de um jovem, filho de um modesto sapateiro português, no tempo da grande depressão – um livro de contos – uma série de pequenos quadros descritos com sensibilidade, humor e economia em que cada capítulo é uma verdadeira pérola – e uma novela exemplar – o livro descreve a evolução do jovem serafim no meio da família (o pai, a mãe e a irmã), que, de capítulo em capítulo, vai descobrindo o mundo à sua volta: a revelação da leitura, a aventura da fuga clandestina e o deslumbramento amoroso, a percepção de que o ‘sonho americano’ nunca estará ao seu alcance, ele que não passa de um pobre portagee, a decepção com os políticos charlatões, numa palavra, a perda da inocência. o longo capítulo iii, ‘o passeio’, em que o jovem serafim sai pela primeira vez da sua cidadezinha natal, embarcando num autocarro até ossawana com o seu amigo chimp silva, é uma obra-prima de observação, que nos lembra por momentos as extraordinárias aventuras de tom sawyer com huckleberry finn.
corram a comprar este livrinho de 150 páginas, que passa desapercebido nas livrarias, enquanto esperamos pela tradução dos outros três que reis felix publicou até agora: além de crossing the sauer (2002), through a portagee gate (2004) e tony: a new england boyhood (2008).
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