caso no essencial esta se verificasse, pedia-me também que utilizasse os meios ao meu alcance para a fazer chegar ao maior número possível de pessoas.
foi o que fiz: dois ou três telefonemas e o documentário de juan falque chamado piratas!, produzido em 2011, disponível na internet, que fornece os caminhos para detectar o essencial da veracidade da história.
para cada um sua verdade é o nome de uma notável peça de teatro de pirandello. aqui, como na peça, tudo depende do ponto de vista onde fixarmos o olhar ou pelo qual quisermos ver a realidade.
todos ouvimos já falar na actividade dos piratas somalis, que em lanchas rápidas atacam grandes navios internacionais que, na versão oficial, tentam atravessar o golfo de aden, através do qual se movimenta 10% do comércio mundial.
a somália foi até 1960 um território colonizado pela itália e pelo reino unido. quando obteve a autonomia, o governo dela resultante teve curta duração: 9 anos.
em 1969, um golpe de estado militar coloca no poder mohamed siad barre, que satisfaz os desejos dos grandes países industrializados, da urss ao ocidente, quer na exportação do petróleo que o país possuía, quer na utilização das suas águas territoriais de grande valor geoestratégico.
o país envolveu-se numa guerra civil de índole tribal, através da qual se alimentava o medo, se empobrecia o povo e se permitia que os parasitas estrangeiros, europeus ou americanos, fizessem o seu saque sem qualquer oposição.
esta guerra civil tão oportuna durou até 1991 e provocou cerca de 300 mil mortos.
o governo que se lhe seguiu é de uma tal fragilidade que quase só controla a capital, enquanto no resto do país se continua a morrer de fome, de sede e de guerras fratricidas.
a fonte de sobrevivência deste povo era tradicionalmente a pesca artesanal, num mar que parecia inesgotável.
com os homens em guerra, e as mulheres e as crianças em fuga permanente, os barcos deixaram de ter pescadores e o mar passou a ter livre circulação para os grandes arrastões de alguns países da união europeia, que utilizam na somália todas as artes de pesca proibidas nos seus próprios países.
percebendo como os somalis estavam ‘distraídos’ com a sua guerra e com a sua fome, para além dos grandes pesqueiros, começaram a cruzar as águas deste país do corno de áfrica barcos misteriosos, que lançavam ao mar milhões de bidões cujo conteúdo foi durante algum tempo desconhecido.
o mistério começou a desvendar-se, por efeito do grande tsunami de 2004, quando muitos destes bidões deram à costa na somália e nos países vizinhos. com a força das ondas, muitos rebentaram. a verdade assustadora vinha ao encontro dos humanos aí residentes sob a forma de terror mudo. eram resíduos tóxicos de toda a espécie. poucos anos depois, a mortalidade aumentou entre a população e as crianças começaram a nascer não só subnutridas, como era habitual, mas também portadoras de malformações congénitas.
apesar de todos os sinais e de alguns alertas, as organizações internacionais desviaram o olhar e os problemas ficaram fora do seu ângulo de visão. nem mesmo o que os seus representantes escreviam nos relatórios surtiu qualquer efeito.
pirata é, por definição, um homem fortemente armado, que assalta e rouba no mar, muitas vezes com a cobertura de estados ou de nações. a sua existência é tão velha quão velha é a arte de navegar.
alguns somalis, fortemente armados com armas que não produzem, organizaram-se e começaram a utilizar primeiro os velhos barcos de pesca, depois lanchas rápidas, para sequestrarem as tripulações dos barcos invasores e pedir altos resgates.
as campanhas tocaram nos países industrializados. onde iremos agora capturar o nosso nutritivo atum ou construir a nossa lixeira?
as organizações internacionais ouviram o barulho ensurdecedor das campainhas e tocaram elas próprias a rebate.
tanto quanto sei, até há bem pouco tempo também existiam barcos da marinha de guerra portuguesa no corno de áfrica.
senhor ministro da defesa: que estão eles a defender? território português? portugueses em perigo? ou estão a participar em qualquer meritória actividade internacional de busca e salvamento?
senhor ministro: já agora que fala com almirantes e generais no activo, pode ajudar-nos a perceber quem são os piratas desta história?
