Nevermind, o disco de uma geração

Em Agosto de 1991, a um mês de editarem o álbum que mudaria a história do rock, Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl andavam em digressão pela Europa, a fazer a primeira parte dos concertos dos Sonic Youth, banda de que eram bons amigos.

na altura, a cinco meses de roubarem a michael jackson o número 1 na tabela de vendas norte-americana, o orçamento era limitado, o trio partilhava o quarto de hotel e os concertos (quase sempre em clubes nocturnos underground e com más condições acústicas) não reuniam mais de 200 pessoas.

quando a digressão europeia terminou e a banda regressou aos estados unidos, kurt cobain chegou mesmo a assumir a cem por cento a condição de indigente. depois de vários meses sem pagar a renda do quarto arrendado, o senhorio expulsou-o. o vocalista começou então a dormir no carro, até grohl terminar com a namorada da altura e convidá-lo a partilhar casa.

apesar deste percalço, nevermind estava finalmente pronto e em poucos meses iria mudar radicalmente a vida destes três rapazes. a festa de lançamento do segundo disco dos nirvana foi marcada para 13 de setembro, em seattle, de forma bastante despretensiosa. nessa noite, já bêbados, cobain e novoselic envolveram-se numa violenta discussão com desconhecidos e o lançamento acabou por ser adiado para 24 de setembro, em boston (faz amanhã exactamente 20 anos).

nesse dia foram distribuídos pelas lojas 50 mil exemplares de nevermind (45 mil ficaram em solo americano e 5 mil foram exportados para o mercado britânico). em duas semanas, o disco já estava esgotado (no reino unido desapareceu das lojas em dois dias) e os pedidos para repor o stock não paravam de chegar à geffen records, a grande editora com quem os nirvana tinham assinado em abril desse ano por intermédio dos sonic youth.

a tiragem de 50 mil cópias mostrava bem as baixas expectativas da geffen em relação ao disco. «se conseguirmos vender isto tudo vai ser um sucesso», disse mark kates, o responsável na altura pela promoção da música alternativa na geffen.

esgotou em semanas

os cálculos basearam-se nos números de goo, o primeiro disco dos sonic youth editado pela geffen, que vendeu 200 mil cópias, um sucesso estrondoso na altura para uma banda alternativa (e bem mais conhecida do que os nirvana). mas bastou um mês para nevermind ultrapassar os recordes de goo. em outubro, o álbum já tinha vendido 500 mil cópias.

o sucesso deixou, naturalmente, o trio perplexo, mas o mentor do registo não estava satisfeito. «a nossa música neste disco é tão sedosa. para ser sincero, há uns anos teria odiado a nossa banda», disse cobain numa das muitas entrevistas de promoção de nevermind.

a razão do descontentamento era simples. depois de vários meses a trabalhar com butch vig – produtor independente que tinha acabado de finalizar gish, a estreia de um grupo desconhecido de chicago chamado smashing pumpkins –, a geffen achou que nevermind não era suficientemente comercial. para ‘melhorar’ o trabalho a editora pediu a andy wallace, engenheiro de som conceituado, para misturar novamente os 12 temas do álbum.

kurt protestou, mas não serviu de nada. smells like teen spirit – canção inspirada na frase ‘kurt smells like teen spirit’, escrita na parede do seu quarto por uma ex-namorada referindo-se ao seu desodorizante –, foi o single de avanço de nevermind. o tema foi lançado em agosto e conquistou de imediato as rádios, que passavam exaustivamente a canção. o sucesso foi tão esmagador, que a mtv, que só divulgava música mainstream, ‘forçou’ a banda a filmar um teledisco.

«a primeira vez que ouvi a canção pensei: ‘é tão poderosa e deslumbrante’. durante as gravações estava sempre a pedir-lhes para a tocarem», contou butch vig à uncut em 2004, na altura do 10.º aniversário da morte de cobain. mais recentemente, em entrevista à rolling stone, a propósito do lançamento da edição que celebra o 20.º aniversário de nevermind, vig acrescentou que kurt era tão perfeccionista que às vezes era difícil lidar com ele.

em ‘teen spirit’, por exemplo, vig cortou o solo de guitarra de cobain «não para fazer um êxito pop de três minutos, mas para não ter nenhum peso morto». cobain não gostou, mas depois de muita insistência acabou por aceitar os argumentos de vig. «ele só me dizia: ‘desliga os agudos todos! quero que isto soe mais aos black sabbath [banda de heavy metal britânica dos anos 70]’».

30 milhões de cópias

apesar de ser o mais crítico opositor do álbum editado, cobain foi obrigado a silenciar os protestos depois do sucesso esmagador de nevermind. em janeiro de 1992, apenas quatro meses depois do lançamento, o disco chegou ao primeiro lugar da tabela de vendas americanas. o rastilho prolongou-se além fronteiras e o registo vendeu milhões no mundo inteiro. hoje, contas feitas, nevermind soma 30 milhões de cópias vendidas equiparando-se, por exemplo, a sgt. pepper’s lonely hearts club band, dos beatles.

porém, o sucesso dos nirvana foi tão inesperado que kurt cobain não soube lidar com a fama. a esta incapacidade seguiu-se o endeusamento por parte da chamada ‘geração x’, que viu nele o catalisador para todas as suas angústias e depressões. o resto é uma história bem conhecida: os problemas com a heroína, o casamento destrutivo com courtney love, o suicídio em abril de 1994.

hoje, 20 anos depois da edição de nevermind – celebrados com uma enxurrada de lançamentos, segunda-feira, entre eles a mistura de butch vig, como kurt cobain sempre quis que o álbum fosse conhecido, e as demos originais de todas as canções _–, os nirvana e, em particular, kurt cobain, continuam a ser lembrados como os músicos que contribuíram para mudar a indústria fonográfica, abrindo portas para todas as boas bandas independentes terem os seus 15 minutos de fama. ou como escreveu, em 1991, o jornalista christopher john farley, da time, «a minoria tornou-se maioria. os nirvana não se viraram para o mainstream. o mainstream é que se virou para os nirvana».

o baixista krist novoselic disse, em entrevista à billboard, que nevermind foi editado «no lugar certo, no momento certo. deu cabo daquilo que se chamava ‘música alternativa’. era uma nova onda do rock».

um rock (e, segundo o próprio trio, não grunge) que influenciou também a moda, o cinema e as artes plásticas.

por toda a sua relevância, e por ser considerado um dos dez mais importantes álbuns na história da música, nevermind passou, em 2005, a fazer oficialmente parte dos registos fonográficos dos estados unidos a preservar, pela importância «cultural, histórica e estética» no século xx.

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alexandra.ho@sol.pt