são eles que dão o devido preço à nossa civilização das liberdades democráticas, do primado da lei, das oportunidades para todos, da tolerância e do estado social, tudo coisas que nós, europeus, levámos mais de um século a conquistar e que estão em vias de se perder.
a outra coisa que me chamou a atenção foi que as únicas lojas que não foram saqueadas pelos jovens em fúria foram as livrarias. os jovens, por necessidade ou perversão, roubaram comidas e bebidas, telemóveis e computadores, roupa e electrodomésticos. tudo menos livros. mais do que a decadência da leitura – os jovens passam o dia a ler coisas inúteis na internet e a comunicar por frases curtas no facebook –, é a decadência do livro que acompanha – e anuncia – a decadência da europa e da sua cultura.
há dias, o secretário de estado da cultura deu uma conferência de imprensa onde sublinhava a importância de travar essa conspiração contra a memória, em que a escola tem colaborado, dizendo que, se não fizermos nada, as novas gerações não vão saber quem eram mozart ou shakespeare. não posso estar mais de acordo. sempre achei que, além do património, a edição e a leitura deviam ser as prioridades do ministério da cultura, aquilo que exige tempo e deixa raízes, que nos eleva como povo e nos qualifica como cidadãos.
deixo aqui, por isso, uma sugestão ao sec: porque não promover e patrocinar a edição das obras completas dos clássicos portugueses e dos grandes autores universais, à semelhança da pléiade, em frança e de edições similares que existem noutros países, juntando várias editoras nacionais e brasileiras que aceitem participar neste grande desafio? tive a sorte de ter em casa dos meus pais alguns livros da famosa editora inquérito e, depois, de começar a ler os modernos na inesquecível colecção da ulisseia, onde se revelavam grandes autores, com traduções e prefácios admiráveis de grandes escritores portugueses. porque não aproveitar algumas dessas edições hoje esquecidas e acrescentar-lhe outras originais, em edições críticas, a preços subsidiados? além do mais, dava trabalho às editoras e a muitos escritores, a quem se proporiam traduções originais e prefácios, em edições anotadas. finalmente, através de um acordo com a rtp, os livros seriam objecto de uma divulgação à escala nacional, publicitados, discutidos e valorizados. em vez de nos dedicarmos à nossa actividade preferida – o queixume e a maledicência – deixávamos obra útil para as novas gerações, se é que a europa, hoje dominada pelo discurso dos economistas, ainda está a tempo de ser salva.
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