Maioria Ruidosa

Ela não vai ao médico há 16 anos porque nunca teve dinheiro para um seguro de saúde. Ele deixou a faculdade para ajudar a mãe endividada e vivem agora dentro de um automóvel.

a ela disseram-lhe para ir para a universidade para arranjar um bom emprego, mas está agora desempregada, deve 100.000 dólares em propinas e tem de pagar mil de renda apesar de viver num bairro social.

os relatos repetem-se no site we are the 99% (nós somos os 99%), onde centenas de pessoas justificam o seu apoio ao movimento occupy wall street (ocupa wall street). são histórias de pais e mães que morrem porque não têm dinheiro para lutar contra o cancro, de licenciados que iniciam a carreira com dívidas de centenas de milhares de dólares, de idosos sem reformas e de pessoas forçadas a emigrar para a coreia do sul.

os auto-intitulados 99% tomam o nome por oposição à minoria de 1% que controla 40% da riqueza dos estados unidos. saem às ruas desde meados de setembro e apresentam uma lista de exigências tão diversas quanto a multidão que por estes dias acampa no parque zuccotti, no coração financeiro de nova iorque. socialistas, libertários, ecologistas, veteranos de guerra e cidadãos apartidários pedem tanto o fim da ajuda do estado à banca, como uma maior regulação do sistema financeiro, mais impostos para os ricos, saúde pública, ensino gratuito, a moralização da política ou a defesa do ambiente.

rival do tea party

o cenário é familiar para quem assistiu aos protestos dos indignados de espanha e da geração à rasca em portugal. a reacção também. os conservadores arrasam o occupy wall street e descrevem os manifestantes como anticapitalistas mimados. «não culpem a banca. se não têm trabalho e não são ricos, a culpa é vossa», declarou o candidato presidencial republicano herman cain. «estão a colocar postos de trabalho em risco», declarou o mayor de nova iorque michael bloomberg, perante o encerramento de algumas vias da cidade. «os árabes dão a vida por liberdades básicas. os gregos amotinam-se porque vêem o seu futuro desaparecer. e vocês lutam porquê mesmo?», questiona a revista the economist.

mas o movimento também conta com apoios de peso. não só dos inevitáveis michael moore e susan sarandon, mas até de figuras insuspeitas como o especulador financeiro milionário george soros, que diz «compreender francamente» a revolta dos norte-americanos face aos «lucros» gerados pela banca graças à intervenção das administrações bush e obama. o presidente dos estados unidos, esse, tenta surfar a onda de indignação, declarando que os protestos «expressam a frustração» dos norte-americanos contra «aqueles que agiram irresponsavelmente e que agora lutam contra os esforços de regulação».

pelo parque zuccotti têm passado nomes como o nobel da economia joseph stiglitz, que lamentou haver «demasiadas leis a impedir protestos e muito poucas a impedir que wall street se porte mal», e o filósofo esloveno_slavoj zizek. «não somos sonhadores, estamos sim a acordar de um sonho que se tornou num pesadelo. não somos destruidores, apenas estamos a assistir à autodestruição deste sistema», declarou o marxista.

sem gozar de boa imprensa, o ocupa wall_street ainda não conquistou o mesmo espaço mediático do seu equivalente de direita, o movimento tea party, financiado por multimilionários como os irmãos koch e instrumentalizado por dirigentes republicanos ultraconservadores.

mas continua a crescer. o que começou a 17 de setembro com um retumbante fracasso (pouco mais que uma centena de manifestantes em nova iorque) abrange agora mais de 70 cidades norte-americanas – mais uma vez, com a ajuda da central de informação do colectivo de anarquistas informáticos anonymous. quase mil pessoas foram detidas durante acções de protesto de crescente ousadia. a 1 de outubro, os manifestantes tentaram bloquear a ponte de brooklyn. na terça-feira, centenas de indignados tentaram tomar o senado norte-americano.

pedro.guerreiro@sol.pt