Da Madeira, com amor

Valha-nos o vinho para que os portugueses sintam orgulho da Madeira.

desde a descoberta da ilha, ali se produz e se educa o que pode ser considerado o melhor vinho fortificado do mundo. em terrenos vulcânicos e de pendentes radicais, destacam-se a casta tinta negra mole, trazida do algarve ou de lisboa, e as nobres brancas sercial, verdelho, bual e malvasia, com produções minimalistas e uma pequena área plantada de 1.500 hectares. quase extinta encontra-se a uva branca terrantez da qual se diz ‘não a comas nem a dês que para vinho deus a fez’.

a adição de aguardente ao vinho da ilha é fruto das navegações portuguesas e os néctares fortificados que sobravam das carreiras comerciais com a inglaterra e a américa do norte regressavam à madeira muito melhorados pelo estágio em pipas nos porões das naus. os negociantes da madeira, com a liderança da feitoria inglesa, desenvolveram técnicas que replicaram os efeitos benéficos das viagens transatlânticas. o uso dos vários pisos dos armazéns, com os vinhos mais novos a começarem no sótão onde a evaporação é acentuada, descendo até à soleira, ainda hoje se aplica para os melhores vinhos, sobretudo os vinhos varietais e de uma única colheita (com mais de 20 anos). para os vinhos básicos utiliza-se a estufagem, com o vinho a evoluir aceleradamente em depósitos de betão ou de aço inox com a acção de serpentinas de aquecimento.

a história do vinho da madeira tem momentos invejáveis pela mão de vários presidentes norte-americanos e dos reis de inglaterra. a casta malvasia (malmsey) foi eternizada por shakespeare. também era o vinho de eleição de frei tuck, amigo de robin dos bosques. em meados do século xix, a praga da filoxera dizima as vinhas da madeira e a ilha opta por plantar cepas norte-americanas, resistentes. a casta jaquez ainda hoje pode ser apreciada em pequenos círculos, mas a pior qualidade dos vinhos desta época levaram a um uso que se tornou famoso: o molho madeira ainda hoje é amado nas cozinhas do mundo.

no final de setembro celebrou-se a grande prova de vinhos madeira da blandy’s, com colheitas desde 1811 até à segunda metade do século xx. assim se concluem as comemorações do bicentenário da firma madeirense fundada e ainda gerida pela família inglesa, que se tornou na casa de referência da produção e do negócio do vinho madeira.

o amante de vinho tem a obrigação de dedicar um olhar e um gosto atentos ao vinho madeira, através da prova de uma casta nobre e de uma colheita única, ou então de um néctar com indicação de idade, no mínimo, dez anos. acompanhando castanhas ou bolo de mel.

anibal.coutinho@sol.pt