Mudar de vida

Não plantem, não pesquem e nem produzam. Mais coisa menos coisa, era este o lema da União Europeia na década de 90.

a portugal chegavam toneladas de dinheiro para os agricultores portugueses deixarem de semear o que os grandes países europeus produziam e para abatermos a nossa modesta frota pesqueira.

afinal, os arrastões espanhóis podiam e conseguiam ‘arrasar’ os mares antes navegados por portugueses. por essa altura, não faltavam cursos de formação profissional, a maioria sem qualquer utilidade, muitos agricultores transformavam as estradas portuguesas numa enorme passerelle de jipes e os bancos acenavam com imenso crédito para tudo: casa, carros, férias, electrodomésticos. um país atrasado em infra-estruturas, educação e saúde era aconselhado a dedicar-se às tecnologias mais avançadas e a procurar outros caminhos que não a agricultura, pescas e indústria. os ‘patos bravos’ surgiam de todo o lado e uma casa, por mais modesta que fosse, em lisboa ou arredores, tipo linha de cascais ou zona de sintra, valia um preço exorbitante.

os portugueses foram-se habituando a gastar muito mais do que ganhavam e surgiram então as contas-ordenado. sempre que chegava a hora de os trabalhadores por conta de outrem levantarem o vencimento, o mesmo não existia, pois já estava destinado a pagar o ordenado avançado… com o aumentar das dívidas, poucos se preocupavam. é certo que o país teve um grande desenvolvimento em áreas como as vias de comunicação, saúde e educação. por muito que se diga, o número de estudantes universitários aumentou exponencialmente, os hospitais passaram a prestar melhores serviços, a taxa de mortalidade baixou consideravelmente e as cidades e a província aproximaram-se com as novas estradas e auto-estradas.

com a crise decretada em 2008 nos estados unidos da américa, a europa levou algum tempo a perceber que a constipação dos americanos nos haveria de engripar seriamente. acontece que ninguém queria uma vacina para o problema, antes apostavam em comprimidos para debelar momentaneamente a maleita.

agora tudo é diferente. da europa chegam-nos ordens para não consumir e voltar a produzir. habituados ao contrário, os portugueses terão muitas dificuldades em adaptar-se às novas regras. mas não há volta a dar. é preciso inverter a situação da mão estendida e pode ser que esta crise seja uma bela oportunidade para o país criar raízes que permitam oferecer às gerações futuras um amanhã melhor. mas é preciso estar atento para que as injustiças não se perpetuem.

outro dado curioso é que há males que estão diagnosticados há muitos anos e que nem a troika consegue resolver. o país parece que é dominado por forças ocultas, leia-se sociedades secretas, que conseguem mover as suas influências, impedindo uma justiça social mais correcta.

p.s. estou em maputo e precisei de comprar um anti-inflamatório. dirigi-me à farmácia e pedi a marca que conheço e com que me dou melhor. o farmacêutico disse-me que só tinha o genérico e perguntou se me importava. disse que não. quando me preparava para pagar 200 meticais (quatro euros), voltou a questionar-me se eu queria a embalagem completa ou apenas uma lamela. disse que me bastavam 10 comprimidos. por 50 cêntimos resolvi o meu problema. há quantos anos se fala que em portugal haverá um sistema idêntico? há muitos, seguramente.

vitor.rainho@sol.pt