O devido valor

Ele olhou-me nos olhos e fiquei logo interessada. Tinha uma capa cor-de-rosa onde se lia Diário de um Gajo Divorciado em Tempos de Crise.

folheei-o, comprei-o e saboreei-o durante alguns dias. o novo livro do jornalista antónio costa santos, em tempos meu chefe de redacção do extinto, porém eterno, jornal se7e, deu-me o prazer de ler a visão masculina do amor, das crises conjugais, do desgaste, dos filhos, das separações, do tédio, das aventuras fugazes, dos erros de casting, dos flirts inconsequentes, das amizades híbridas, das alegrias e das agruras de quem vive só, do sabor vazio da liberdade, dos copos, dos disparates e do desamparo no qual muitos homens caem quando um casamento jurássico se desfaz.

vale a pena ler porque é sincero, porque tem graça e porque o joão, o divorciado de serviço à narrativa, pratica diariamente a auto-ironia, vendo-se ao espelho como um anti-herói sem mais ambições do que a de voltar a ser amado, o que torna o seu relato de um ano de vida de celibato num chorrilho de episódios que nos soam incrivelmente familiares.

os intelectuais gostam de desprezar o lado corriqueiro da existência, chamando a isto clichés, mas para os que se julgam detentores da inteligenzia nacional, lamento informá-los que a vida é mesmo assim, previsível, pouco elevada e recheada de lugares-comuns, o que torna o livro divertido, acessível e apetecível, sem deixar de ser interessante, com tiradas fabulosas sobre o fim das relações, a nossa (in)capacidade de lidar com o crescimento acelerado dos filhos, e sobretudo o nosso desejo de paz, de conforto e de sossego quando já passámos a barreira dos ‘entas’, da qual todos sabemos que nunca mais vamos sair, a não ser para o crematório mais próximo.

não estou a ser mórbida, apenas realista. afinal, o mundo cá fora não é bem como na capa do catálogo da agência de viagens. a praia paradisíaca tem pouca areia, muito vento e tubarões mesmo à beira-mar.

há uns anos, um grande amigo foi a uma entrevista para mudar de emprego e perguntaram-lhe: «é solteiro?». ao que ele respondeu, «entre uma namorada e outra, sim». nunca chegou a casar nem deixou ainda ao mundo a semente da sua descendência, mas possui o dom da conjugalidade, o que quer dizer que é um óptimo namorado, dos melhores que há, que são aqueles que pertencem à categoria husband material. e quando questionado sobre a sua incansável dedicação às namoradas, respondeu-me que o mundo cá fora era igual ao matrix – quando estava solteiro tinha dias que se sentia tão infeliz que até via tubos a sair da nuca. metáfora violenta, é certo, mas quantos de nós, em momentos de profunda solidão, não passámos pelo mesmo?

o diário escrito por antónio costa santos revela as confissões de um homem que de repente muda de vida e vai parar à capa do catálogo. um ano depois, cansado da sua existência errática e inconsequente, regressa ao doce lar, entre o vencido e o convencido, no qual será, se não feliz para sempre, certamente menos infeliz. é que grande parte do amor vem sob a forma de amparo. só quando o perdemos é que lhe damos o devido valor.