este álbum gente muito diferente como, por exemplo, sérgio godinho e d’zrt. não há pudores em juntar estas pessoas com carreiras e estilos tão distintos?
não, pelo contrário. na música é preciso quebrar essas barreiras e eu sou apologista de que uma pessoa não se deve fechar, nem como ouvinte, nem como compositor, em rótulos ou estilos musicais. há coisas boas em todas as áreas e eu oiço de tudo.
ouve d’zrt em casa?
não no meu dia-a-dia, mas é uma banda que admiro muito. como boys band, os d’zrt eram uma banda excepcional. lembro-me que conheci o angélico no porto, no elevador de um hotel, e na altura nem sabia quem ele era. tivemos uma conversa muito engraçada e a partir daí estabelecemos uma boa amizade. eles chegaram a fazer duas primeiras partes do xutos e houve uma camaradagem muito boa. acho que os d’zrt eram, acima de tudo, uma banda muito genuína, de pessoas que sabiam muito bem o que estavam a fazer. não eram um produto editorial.
não há, portanto, preconceitos na música?
nenhuns! é uma estupidez haver esse tipo de preconceitos em portugal, um mercado tão pequeno. no brasil, por exemplo, os músicos dão-se todos bem. um canta samba, outro faz rock, mas não é por isso que não têm respeito uns pelos outros. fui sempre educado a ouvir tudo e a primeira coisa que o meu pai me mostrou foi jazz. o primeiro concerto que vi ao vivo, e que me fascinou brutalmente, foi miles davis, em cascais. acho que quando uma pessoa entra naquela cena de não ouvir mais nada a não ser um determinado género musical chega, inevitavelmente, a um período de vida e aquilo já não lhe traz satisfação nenhuma.
qual foi o artista mais inesperado que já o cativou?
houve uma altura em que admirava imenso o ricky martin. até tinha vergonha de o dizer, mas achava fascinante o livin la vida loca. trauteava aquilo o tempo todo. quando ando satisfeito com a vida gosto de músicas que me deixem assim e, naquela época, o ricky martin dava-me saúde e alegria.
voltando a este disco, como surgiram estas parcerias?
isto foi um convite lançado pela sony, mas eu não estava nem aí para fazer um disco a solo. ainda assim disse-lhes que ia pensar no assunto e, uns dias depois, acordei com esta ideia de juntar todas as participações que tive ao longo da minha carreira, mais um tema original que servisse de cartão-de-visita do disco.
por que não um disco a solo?
um disco a solo obriga a pessoa a ter controlo de tudo e eu não gosto disso. gosto mais de fazer parte de alguma coisa que esteja a acontecer e contribuir com o que sei. não tenho muita capacidade de liderança. sou melhor braço-direito do que líder.
se pudesse escolher alguém, com quem gostava de tocar?
português?!
não, internacional… aqui acho que já completou a caderneta.
[risos] sim, praticamente… há uma banda do porto, o bisonte, com quem ainda não surgiu a oportunidade de gravar, mas vai acontecer um dia. colaborar com alguém lá de fora é mais complicado porque gosto de ter cumplicidade com as pessoas com quem trabalho. neste disco essas cumplicidades existem em todos os sentidos. agora, se surgisse um convite do keith richards claro que não hesitava. há quem me chame, inclusive, o keith richards português e tenho muito orgulho nisso. ele é uma pessoa notável e um artista fantástico. foi uma das pessoas que me levou a olhar para a guitarra e estar em cima de um palco. copiei-lhe imensos gestos e, ainda hoje, acho que tenho alguns tiques dele.
teve a oportunidade de o conhecer?
sim, apertei-lhe a mão uma vez e tenho uma fotografia com ele e com o joão pedro pais, que guardo religiosamente em minha casa, numa moldura. foi um momento típico de fã.
em maio realizou um transplante de fígado. foi obrigado a muitas mudanças?
as mudanças que tive de fazer já tinham acontecido antes. já sabia que, mais cedo ou mais tarde, ia ter de fazer um transplante. agora já estou despachado. felizmente, passado um mês já estava em cima do palco. os médicos estavam apreensivos, mas eu descansei-os. os meus tempos de loucura já passaram e aquela atitude de me atirar para o abismo e seja o que deus quiser também.
disse recentemente que está focado em viver o presente e sonhar o futuro. como é esse sonho?
vejo tudo de bom. estou a atravessar um período muito bom na minha vida. gostava muito que um filho fizesse parte desse futuro e sinto-me espiritualmente preparado para o ter. não sei se isso vai ser possível, já tenho 55 anos e não é assim tão fácil.
porquê esse desejo?
vi os meus sobrinhos todos crescer e sempre tive uma óptima relação com bebés e adolescentes. nunca tive esse desejo até ter encontrado a cristina [avides moreira].
se não conseguirem, adoptar é uma hipótese?
já ponderámos sobre isso e sim, é uma hipótese. mas este ano foi dedicado à saúde e o próximo será mais dedicado ao futuro.