foi contrariada. «chego lá e parece que não é o meu país. gosto de tudo em portugal, sinto-me tão bem aqui!», disse ao sol, poucos dias antes da partida. da terra lusa, só não gosta da falta de dinheiro. wilza tem 54 anos e é um dos muitos emigrantes que, devido à crise económica, optaram por retornar ao brasil, cuja economia vive actualmente uma grande expansão.
mesmo que os brasileiros continuem a representar a maior comunidade de emigrantes em portugal – segundo o anuário de 2010 do serviço de estrangeiros e fronteiras (sef), encontravam-se em portugal nesse ano 119.363 brasileiros –, observa-se um crescente movimento de retorno ao brasil.
o número de emigrantes carenciados a pedir o apoio ao retorno voluntário é o melhor indicador deste fenómeno. só este ano, até setembro, a organização_internacional para as migrações (oim) recebeu 1.649 candidaturas (individuais ou de agregados) ao retorno – sendo que, desses pedidos, 1.444 são de brasileiros.
sempre a aumentar
segundo o responsável pela oim, luís carrasquinho, «o aumento do retorno de brasileiros acentuou-se desde 2006». em 2007, graças a este apoio financiado pelo fundo europeu de regresso, embarcaram 194 emigrantes brasileiros. em 2008 foram 279, em 2009 o número subiu para 315 e em 2010 atingiu os 452. se em 2008 os pedidos de brasileiros representavam 79% do total, em 2010 atingiram os 87%.
wilza sardinha não pediu o apoio de retorno voluntário e reintegração. pediu ajuda ao pai, de 92 anos: «no mês passado, o meu pai mandou-me 500 euros. agora mandou 800, para a passagem». vai voltar à vida que um dia quis abandonar porque se tornou insustentável manter-se em portugal, desempregada. «fiquei sem trabalho; estava a fazer um curso de pastelaria na pontinha», explica esta brasileira formada em bioquímica.
a separação do marido motivou-a a emigrar: «a separação deixa uma pessoa transtornada». sabe que, «se ficasse lá, ia correr muito mal». para trás, quis deixar os dois filhos. tinha de desenhar uma nova vida. o primeiro emprego foi no hotel village, em cascais. chegou a ganhar 1.800 euros por mês: «era muito dinheiro. pagava a renda e ainda mandava dinheiro para o brasil».
wilza começou por viver numa casa com 11 pessoas e acabou por juntar dinheiro e comprar um apartamento no barreiro. trabalhou sempre em hotelaria e restauração. ultimamente, vivia de biscates: fazia salgados, limpezas e até roupa para cães, pois «não se pode ficar de braços cruzados». em lisboa, conheceu compatriotas de braços esmorecidos: «há muitos brasileiros sem-abrigo, conheço um que está na estação de santa apolónia».
em belo horizonte, wilza não quer abrir nenhum estabelecimento comercial. e justifica: «não vou estar a trabalhar para um ladrão levar tudo». a ideia desta cozinheira «é fazer salgados em casa para vender e ter negócio de confecção de refeições para casamento, em casa das pessoas».
e vai para ficar? «da última vez que fui ao brasil, fiquei sete meses e era uma choradeira dia e noite. tive de voltar. vou ver se me aguento lá, desta vez», responde ao sol, com a nostalgia a tomar-lhe a voz.
regressar e abrir uma churrasqueira
rogério rodrigues, de 43 anos, mudou-se para portugal em 1999. com ele veio a mulher, escritora e ilustradora de livros. ele arranjou trabalho em animação de festas e na restauração, no porto, em guimarães e em barcelos. o rendimento mensal andava à volta dos 800 euros. a 11 de março, com o apoio do retorno voluntário e reintegração, o casal regressou a belo horizonte.
«há dois anos, começámos a pensar em regressar. fiquei com receio da crise e, como as possibilidades no brasil estão a crescer, fomos mesmo embora», conta ao sol.
a oim pagou a viagem ao casal e deu-lhe ainda um apoio financeiro, que rondou os mil euros, para iniciarem um negócio. «deu para comprar uma churrasqueira pequena e mais qualquer coisa. o resto consegui com a ajuda de familiares, que me emprestaram um espaço», explica rogério.
em maio, abriu a loja rei do frango, onde vende frango de churrasco, um prato que aprendeu a fazer em portugal e que é pouco usual no brasil. «a ideia é transformar este pequeno negócio num cantinho português, onde se come bem e se bebe vinho», adianta.
apesar de o retorno estar a ser «custoso», rogério sabe que no brasil tem mais hipóteses de prosperar: «já tenho uma rede de clientes e aqui posso crescer, com o apoio do estado posso arranjar um empréstimo».
o apoio dado pela oim ajudou também maria da glória cruz, de 58 anos, a mudar de vida. esta brasileira, que veio para lisboa em 2000, acabou por regressar em setembro de 2009, à cidade de vila velha, no estado de espírito santo, onde é costureira.
a adaptação a portugal foi difícil porque não tinha visto de trabalho e porque apanhou «chefes brutos». «num ano, passei por 16 trabalhos», recorda. depois a situação melhorou e, até 2002, não teve razão de queixa: «ganhei bem na época do escudo».
um problema cardíaco trouxe-lhe uma mísera reforma antecipada. foi aí que se viu obrigada a regressar ao brasil. da oim recebeu 750 euros para a compra de uma máquina de costura, com a qual iniciou um pequeno negócio, com as filhas. «agora, tenho seis máquinas e uma lojinha onde vendo as roupas que faço».
mas se o coração não lhe tivesse atraiçoado os rendimentos, era em portugal que estava. «a economia do brasil está melhor. o pior é a insegurança: deito-me com medo, acordo com medo, aqui a gente vive com medo mesmo!», lamenta.