O direito a não fazer greve

Há uns anos, assisti a um fenómeno de alguma histeria nacional aquando de uma greve geral.

o país estava um verdadeiro turbilhão e, apesar de nada ter contra a minha entidade patronal, decidi fazer greve, embora trabalhando.isto é: fiz tudo o que tinha a fazer, como num dia normal, só que no final pedi que me descontassem o dia. foi a forma de me mostrar solidário com o protesto, à semelhança de muitos outros colegas de então. mas já nessa época estranhei o ímpeto de alguns dos grevistas mais radicais. sendo a democracia o sistema por excelência que aceita, respeita e promove as opiniões diferentes, como era possível alguém estar a querer impor as suas ideias aos outros?

na semana passada o filme repetiu-se, embora não tenha feito greve – acho que o país não ganha nada, nos tempos que correm, com este tipo de paralisações –, e qual não foi a minha surpresa quando acordei e vi imagens de ‘piqueteiros’ a proibirem colegas de exercerem um direito fundamental da constituição que é o direito a trabalhar. que todos podem exercer o direito a fazer greve, penso que não restam dúvidas nem ao maior dos saudosistas da outra senhora. agora que os ‘piquetes’ de greve entendam que podem e devem instituir o que as pessoas podem ou não fazer, vai toda a distância da democracia.

associado a esta história recordo-me do que algumas figuras têm defendido nos últimos tempos. que é preciso uma revolução, já que chegámos a um estado social deplorável. curioso, no mínimo, este raciocínio. em primeiro lugar, os estados a que se referem são democráticos e em muitos deles realizaram-se eleições livres muito recentemente. que a economia está, de certa forma, a abafar a política não deixa de ser verdade. mas compete aos eleitos tratar de resolver os problemas criados pelos excessos consumistas e pela ganância de algumas entidades económicas. não é com revoluções que vamos lá.

por outro lado, não deixa de ser curioso as leituras que são feitas para problemas políticos idênticos em latitudes diferentes. hugo chávez, um ilustre democrata, pretende perpetuar-se no poder com alterações à constituição por forma a nunca deixar de ser reeleito presidente da venezuela. não faltam na europa grandes defensores do estadista venezuelano. do outro lado do oceano, na pérola do atlântico, há um homem que ganha eleições há 30 anos e que tem igualmente um estilo popular. mas este, por causa do seu lado provocatório, é considerado, não raras vezes, um ditador… a política é cada vez mais uma religião. as pessoas acreditam no que lhes vendem os seus deuses.

vitor.rainho@sol.pt