nos três dias em que esteve perdido no mar, josé manuel coentrão, o mestre da embarcação virgem do sameiro que naufragou ao largo da figueira da foz, chorou, teve de amarrar um dos cinco colegas, desesperou por ver que ninguém ouvia os pedidos de ajuda e sentiu o que é estar às portas da morte. foi salvo depois de um helicóptero da força aérea os detectar a 22 quilómetros a norte do cabo mondego. mas não esquece os dias de angústia que viveu na pequena balsa e que relata, na primeira pessoa, ao sol.
os minutos antes do naufrágio
«estava acordado. tínhamos estado na faina umas largas horas e cerca da meia-noite pus a tripulação a descansar. senti que o barco estava um pouco inclinado a estibordo. eram duas da manhã quando fui chamar o vigia e já foi debaixo de água que os fui acordar. já só tive tempo de chamar o pessoal para cima, tirar a balsa e coordenar a entrada na balsa. toda a gente queria entrar ao mesmo tempo. ainda atirei o edredão que estava na minha cama para dentro da balsa, mas não consegui tirar os documentos. nem os coletes [salva-vidas], que estavam num armário dentro nos dormitórios, deu tempo para tirar.
a entrada na balsa
o primeiro a entrar para a balsa foi o joão ‘vareiro’. eu fui o último. ainda esperei pelo ucraniano, que quis ir buscar um saquinho com os documentos. quando já estávamos a coordenar a entrada para a balsa, ele lembrou-se daquilo e disse ‘documentos, documentos’ e desapareceu. lá desceu e, no meio da água, lá conseguiu trazer aquilo.
entrámos para a balsa com o que vestíamos. nós dormimos com a roupa de trabalho que é um fato-de-treino, alguns vestem um pijama por baixo. eu visto pijama, porque faz muito frio. e como estava de vigia, ainda fui o único a levar casaco, porque já o tinha vestido.
fomos de meias. e ainda tive a preocupação de lhes dizer para descalçarem as botas. não se deve ir calçado para uma balsa, porque as presilhas ou outros metais podem furar aquilo.
quando o barco começou a adornar, fiquei de joelhos e chorei muito. só cortei o cabo na última. tinha de o fazer ou o barco arrastava-nos, mas custou-me muito. devo ter ficado assim a chorar de joelhos uns 10 ou 15 minutos. entre ir chamá-los e o barco afundar, passaram cerca de 15 minutos, se calhar nem tanto.