quando amamos alguém, construímos na mente uma determinada ideia dessa pessoa e é partir de tais pressupostos, nem sempre verdadeiros, que agimos e que construímos a nossa realidade. o outro, entidade próxima e adorada, que desejamos fundir connosco, faz exactamente o mesmo. embora nestas coisas do amor os homens compliquem menos do que as mulheres, o que lhes torna a vida muito mais fácil.
mesmo assim, eles também se baralham, sobretudo quando a mulher que amam não se encaixa no padrão que eles pensam que é o certo para eles. e é então que começa a parada dos ‘ses’, que se sucedem em cascata, alimentando o espírito de fantasias e afastando-o da realidade. o pedro está loucamente apaixonado pela ana, mas se ela não tivesse filhos… o francisco só reconhece qualidades na maria, mas se ao menos ela fosse mais nova… o diogo encontrou na filipa a mulher da sua vida, mas se ela não morasse tão longe… e é por este caminho, o trilho que nos desvia da realidade para nos conduzir para o país da insatisfação, que o comboio do amor começa lentamente a descarrilar.
podemos mudar a morada de uma pessoa, podemos melhorar-lhe os modos à mesa, a cor do cabelo e o guarda-roupa, mas não podemos mudar nem a sua natureza nem a sua realidade. uma mulher com filhos só volta à adolescência de 15 em 15 dias, quando as crianças vão para o pai. nos outros dias da semana é mãe de família com tudo o que isso implica. já uma menina solteira e ainda por estrear na maternidade nem sempre tem paciência para os filhos do namorado, mesmo que os ache amorosos. amar uma mulher ou um homem, sonhando que a relação seria perfeita se a realidade dela ou a personalidade dele fosse diferente, é o mesmo que estar na estação de comboios de oeiras à espera que passe o eléctrico 28.
as mulheres são mais proactivas, e também mais ingénuas, porque não só sabem exactamente o que gostavam de mudar no outro, como tentam fazê-lo, quase sempre sem resultados satisfatórios. a frase mais gasta que oiço das minhas amigas, que tentam mudar características dos respectivos maridos há 20 anos, é: «ele está muito melhor». como se de uma patologia se tratasse.
ele não ajudava nada em casa, mas agora já leva o lixo e, portanto, mesmo que não faça mais nada, está muito melhor. ele nunca teve horas para chegar a casa, mas agora já avisa que não vem jantar, por isso está muito melhor. ele deixava tudo espalhado, mas agora pelo menos as meias já vão para o cesto, logo está muito melhor. que boazinhas que são as minhas amigas; comigo, ou passava a ajudar mesmo, a chegar a horas para jantar e a meter a roupa toda no cesto, ou seguia o seu caminho.
numa relação há sempre uma distância entre aquilo com que sonhamos e a realidade. o truque está em desligar o ‘complicómetro’, viver e deixar viver. alimentar a insatisfação só pode dar frutos amargos. afinal, se cá nevasse, fazia-se cá ski, ou, como se diz no campo, se a minha avó tivesse rodas, era um tractor.