Presidente alemão enfrenta pedidos de demissão

Christian Wulff, chefe de Estado alemão, poderá cair por ter ocultado ligações a amigos milionários. É a nova dor de cabeça da chanceler germânica Angela Merkel.

actualização: o presidente christian wulff pediu na quinta-feira desculpa pela ocultação de um empréstimo de 500.000 euros, afastando contudo a possibilidade de demissão. a imprensa alemã divide-se agora sobre se o chefe de estado deve renunciar ao cargo.

o texto publicado na edição de sexta-feira do semanário sol:

o escândalo afasta a crise do euro das primeiras páginas dos jornais germânicos pela primeira vez em muitos meses, mas a chanceler alemã angela merkel também vê o seu futuro depender dos próximos episódios da nova novela política berlinense.

o chefe de estado alemão christian wulff é figura de capa da última edição da revista der spiegel, sob um título fatal. «der falsche präsident», uma frase ambígua que tanto pode ser traduzida como «o presidente errado» ou «o presidente falso». em editorial, o diário die tageszeitung é mais categórico na acusação: «o presidente mentiu». comum às duas publicações e à totalidade dos meios de comunicação germânicos, nos dois lados do espectro político, é o relato de um homem que ocultou ao parlamento o facto de ter recebido um empréstimo particular de 500.000 euros de um empresário alemão, egon geerkens.

os factos remontam a 2008, quando o conservador wulff, da cdu de merkel, era chefe do governo estadual da baixa saxónia. o político em ascensão procurava uma nova casa em hanover. geerkens não só ajudou na busca da habitação como terá facilitado um generoso empréstimo ao casal wulff. supostamente, através da sua mulher, edith geerkens.

a oposição estadual abordou o caso pela primeira vez, ainda em 2008, depois de saber que o casal wulff tinha passado férias com os milionários geerkens. quando questionado pelo parlamento saxão sobre se mantinha alguma relação financeira com o empresário, wulff respondeu que não, o que é agora posto em causa pela diligente imprensa germânica. mais, a der spiegel garante que o empréstimo foi concedido pelo próprio geerkens e que a sua mulher edith não chegou sequer a agir como intermediária.

em causa está uma possível violação de uma lei estadual que proíbe os membros do governo saxão de aceitarem qualquer tipo de donativo. o debate legal está em curso, tendo o parlamento da baixa saxónia reunido na terça-feira para discutir a possibilidade de uma acção contra o actual presidente – para já, não está tomada qualquer decisão. mais consensual é a noção de que a reputação do chefe de estado germânico fica irremediavelmente lesada pelo que uns chamam de «mentira» e outros qualificam de mera omissão.

o chamado «caso do crédito» completa um quadro pouco abonatório de um político de origens humildes e hábitos extravagantes, íntimo do mundo empresarial. ainda no domingo, os alemães ficaram a saber que wulff passou férias em casas de outros empresários em pelo menos seis ocasiões, entre 2003 e 2010, em espanha, na itália, nos estados unidos e na ilha frísia de norderney.

na quarta-feira, o tablóide bild revelou que um dos amigos milionários do presidente, o magnata carsten maschmeyer, financiou a campanha de promoção do livro besser die wahrheit (é melhor a verdade), uma biografia pessoal e política de wulff que se tornou um best-seller na baixa saxónia e contribuiu para a reeleição do então chefe do governo estadual. maschmeyer alega que wulff nunca soube da sua decisão de ajudar na divulgação da obra, cuja ironia do título é agora sublinhada pelos adversários políticos do dirigente da cdu.


pedido de demissão

wulff, em constante digressão pelo exterior, diz-se de consciência tranquila, tornou pública toda a documentação sobre o seu historial financeiro e recusou o cenário de renúncia. mas este está em cima da mesa. erwin lotter, deputado do partido liberal democrata (fpd, na sigla alemã, parceiro de coligação de merkel), exigiu a «demissão imediata» do conservador. a ministra da justiça sabine leutheusser-schnarrenberger, também do fpd, exigiu que wulff «explique o que tem de ser explicado». walter scheel, ex-presidente alemão, diz-se «preocupado» pelo impacto do caso na imagem da chefia de estado.

de momento, wulff tem a opinião pública a seu favor. uma sondagem recente da televisão ard indica que 70% dos alemães não considera que o presidente deva demitir-se, ainda que apenas 51% considere o actual chefe de estado «credível».

é dentro da cdu de merkel que se joga nas próximas semanas o futuro do chefe de estado. em público, a chanceler recusa o cenário de demissão e expressa «completa confiança» em wulff. à porta fechada, conta a imprensa, o apoio do partido de centro-direita ao saxão diminui todos os dias.

apesar da presidência da república se tratar de um cargo largamente cerimonial, não eleito por sufrágio universal mas pela câmara alta do parlamento federal (o bundesrat), a possível demissão de wulff ameaça tornar-se num novo revés para merkel. dadas as recentes derrotas em escrutínios estaduais, a cdu dificilmente conseguirá impor à oposição um sucessor conservador. a chanceler perderia uma importante rectaguarda num momento em que a crise das dívidas soberanas, ainda fora de controlo, gera tensões renovadas entre a cdu e um fpd a braços com uma crise interna.

wulff seria o segundo presidente alemão a apresentar a demissão desde a chegada de merkel ao poder (o primeiro foi horst köhler, em 2010).

pedro.guerreiro@sol.pt