o artigo era mais uma catilinária a que vpv nos tem habituado, mas, no meio da sua arenga contra os apoios do estado às artes, tocava nalguns pontos que merecem reflexão. um deles era que, não havendo uma dramaturgia portuguesa, falar de teatro português faz pouco sentido.
a verdade é que, excepto durante o reinado de isabel i de inglaterra, na corte de luís xiv, nos anos da commedia del arte (com o teatro de goldoni na veneza do séc. xviii), ou na broadway dos anos 50 e 60 – em que as peças marcaram as sociedades do seu tempo e criaram uma tradição –, não existem, nos tempos modernos, dramaturgias sólidas na maioria dos países. em portugal, (com excepção dos 50 gloriosos anos da revista do parque mayer, entre os anos 20 e 70) nunca houve verdadeiramente uma corrente de dramaturgos que assegurassem ao teatro um repertório vasto e uma sólida popularidade. nesse contexto, o problema da programação do d. maria ii merecia ser discutido, como o do s. carlos, por exemplo – mesmo se também não existe uma ópera nacional e ninguém contesta a necessidade da sua existência.
onde vpv falha, levado pelo seu radicalismo, é que, ao contrário do que diz, o estado, num país sem dimensão crítica, não pode deixar de apoiar o teatro – mesmo se é verdade que os critérios de atribuição dos subsídios às companhias deixam a desejar. mas o mais grave do seu artigo é quando afirma, gratuitamente, que, ao teatro nacional, «também lhe falta público. uma noite no d. maria é uma noite soturna». esta semana fui ver a peça de edward albee, quem tem medo de virgínia woolf? (um trocadilho que, em português, devia traduzir-se, obviamente, por quem tem medo do lobo antunes?). a sala estava cheia e o espectáculo, apesar das três horas, esteve longe de ser soturno. ana luísa guimarães, que assegura a encenação, teve a inteligência de não complicar uma peça que se passa numa noite e num só décor, e de ajudar os actores a encontrar o essencial: um tom justo e um ritmo perfeito. mas, sobretudo, a peça dá a oportunidade a virgílio castelo e maria joão luís, (acompanhados por dois jovens, sandra faleiro e romeu costa, que não lhes ficam atrás), de exercitarem o seu enorme talento, que, de outro modo, se perderia em telenovelas alimentares e numa ou outra participação em filmes ‘de autor’, onde raramente têm personagens para trabalhar. que mais não fosse, há em portugal actores extraordinários, como estes, excelentes encenadores e óptimos técnicos que, sem os apoios do estado (como os historiadores e os investigadores, por exemplo) nunca poderiam exercer o seu ofício nem provar a sua excelência.
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