o caso da arcelor mittal é paradigmático. com um volume de negócios anual superior a 60 mil milhões de euros e 274 mil trabalhadores em todo o mundo, a metalúrgica tem uma subsidiária na avenida arriaga, no funchal. mas contactar o responsável do grupo em portugal, através do número telefónico indicado nos directórios de empresas, é uma tarefa espinhosa. «o director não está, o melhor é telefonar em janeiro. posso passar ao nosso representante legal, se preferir, mas não posso dar mais informações», dizem ao sol do outro lado da linha.
qual a vantagem de ter em portugal este tipo de centro de negócios? como explica o economista joão césar das neves, as zonas francas atraem empresas graças à poupança fiscal que permitem, obtendo receitas fiscais que, de outra forma, iriam para outras jurisdições.
durante anos, a zfm possibilitou a isenção de irc à maioria das empresas que ali se instalassem – uma benesse que acaba já no final deste ano, contra as pretensões do governo regional da madeira. as sociedades registadas a partir de 2007 podem ainda usufruir de um irc de 4% até final de 2012, e de 5% entre 2013 e 2020, apesar de o memorando de entendimento assinado entre portugal e a troika impedir a atribuição de novos benefícios fiscais.
«as vantagens da zona franca para a economia portuguesa e para a região estão em todos aqueles negócios que não se realizariam ou emigrariam se não fossem os benefícios fiscais, e que assim existem, empregam e produzem», explica césar das neves, acrescentando que «seria precisa muita coragem política para não renovar a zona franca, mas esse é um bem ainda mais escasso do que os impostos numa recessão».
de facto, o fim da isenção fiscal total já levou a que mais de 20% das empresas sediadas na zfm tenham decidido abandonar o território, no último ano. a própria caixa geral de depósitos confirmou que, a partir de 2012, parte dos fundos parqueados no funchal será transferida para outras localidades com mais vantagens fiscais, nomeadamente as ilhas caimão.
madeira obtém receita…
este é também o principal argumento dos responsáveis políticos da madeira. a receita fiscal gerada na zfm em 2009 parece diminuta: aos seis milhões de irc somam-se 22 milhões de iva, sendo que os proveitos das empresas ascendem a 18 mil milhões de euros.
mas o encaixe para as contas públicas madeirenses é crescente. o vice-presidente da assembleia legislativa regional, miguel de sousa, indicou na semana passada que, em 2012, com o fim das isenções, a zfm deve gerar 150 milhões de euros em irc. o número deve subir para 200 milhões de euros a partir de 2013, sem contabilizar a receita com arrendamento de espaços do parque imobiliário ou os gastos dos funcionários das empresas ali sediadas.
«no luxemburgo, 80% do pib vem dos serviços financeiros. em malta, chipre e ilhas do canal chega aos 30%. grande parte destas economias depende dos serviços financeiros. são o seu ganha-pão. por que não o há-de ser na madeira? se podemos ter prosperidade, porque havemos de viver de mão estendida?», questionou miguel de sousa, em declarações à lusa.
…mas perde fundos
contudo, os detractores das actividades financeiras levadas a cabo no centro de negócios da funchal têm uma visão diferente. o economista joão pedro martins – que fez uma investigação sobre o offshore da madeira, publicada no livro suite 605 – lembra que «as principais multinacionais têm usado a zfm para praticar uma verdadeira ‘burla legal’ que tem esvaziado os cofres públicos e transferido a carga tributária das grandes empresas para os pequenos contribuintes».
segundo a auditoria das finanças, a despesa fiscal associada às empresas sediadas na zfm ascendeu a 1.317 milhões de euros em 2008 e 657 milhões em 2009. ou seja, se as empresas pagassem os impostos do continente, a receita gerada poderia ser suficiente para não cortar os subsídios de natal este ano.
e mesmo as receitas fiscais obtidas pela madeira têm de ser ponderadas com o que a região perdeu em termos de fundos europeus, uma vez que as actividades registadas na zfm empolam as exportações regionais e o pib per capita do arquipélago, que já é o segundo mais alto do país.
como este indicador é um dos critérios para atribuição de fundos comunitários a regiões ultra-periféricas da união europeia, a madeira já perdeu o acesso a 500 milhões de euros em fundos comunitários e a 400 milhões do orçamento do estado para combater a insularidade, segundo joão pedro martins.
além destas perdas, há argumentos fora da esfera financeira para as críticas ao offshore. segundo a investigação do economista, capitais ligados ao tráfico de armas ou de droga terão passado por empresas sediadas no funchal, tal como uma empresa subsidiária da libya africa investment portfolio, do governo de kadhafi.
na última década, segundo o autor, passaram mil empresas pela chamada ‘suite 605’, o escritório da avenida arriaga onde eram registadas as novas companhias para que pudessem usufruir das vantagens fiscais.