Jardim Gonçalves: ‘Nestas coisas nem há Opus Dei nem amigos’

Numa entrevista exclusiva ao SOL, Jardim Gonçalves abre o livro da sua vida e conta por que entrou para o Opus Dei. O fundador do BCP não foge às comparações com a Maçonaria, mas recusa que a Obra seja um centro de poder ou de influência.

quando é que dá o ‘sim’ ao bcp?
depois de ter pedido a demissão do bpa no verão de 1984 fui a uma reunião onde estavam o américo amorim, antónio gonçalves, ilídio pinho, joão alberto pinto basto e antónio mota.

como foi criar um banco novo de raiz?
não se criava um banco do zero há muitas décadas. havia um senhor chamado rui barata, madeirense, que tinha experiência disso que saiu do bpa para macau para formar o banco comercial de macau [bcm] do nada. acompanhei muito esse processo e fiquei com uma noção do que era um banco pequeno começar a desenvolver-se. além do rui barata, passei a rodear-me de pessoas que tivessem alguma experiência semelhante, como o christopher de beck. depois tentei também saber o que havia no mundo de novo em termos de banca de retalho. no início, tínhamos projectado cerca de 24 sucursais – que conseguimos abrir ao fim de três anos. mas a grande notícia de cobertura nacional é quando se abre a nova rede, em 1989. era um banco low cost, com balcões pequenos, parecia um stand de automóveis. e aí todo o sistema financeiro português percebeu que o bcp queria ser um banco nacional. há uma viragem na concorrência e no banco. num ano passámos de mil colaboradores para dois mil.

porque não contratou mulheres na fase inicial?
isso é mentira. desde o primeiro dia que houve mulheres no bcp. mas houve mulheres que pediram para sair porque já tinham perdido um casamento e não queriam perder o segundo.

é sabido que era muito exigente com os seus colaboradores…
nunca ninguém se zangou comigo. era uma exigência de circunstâncias, as tarefas tinham de ser acabadas pelos mesmos. no princípio, houve pessoas que estiveram dois anos sem férias e meses sem fins-de-semana. e as mulheres, normalmente, são casadas com portugueses e os portugueses não gostam dessas coisas. querem chegar a casa, pôr os pés na mesa, ver televisão e esperar que a mulher traga as coisas feitas.

como cresceu o bcp até ser o maior banco privado português?
a europa estava a fazer-se e fomos buscar vários sócios estrangeiros com know-how. apostámos no crédito à habitação e fomos buscar um sócio italiano para o fazermos bem. nos anos 90, esse mercado apenas era trabalhado pela caixa geral de depósitos, montepio e crédito predial. depois vem o tema do private, que acabámos por fazer com um parceiro espanhol. com os seguros, acabámos por ter dois parceiros: um para os seguros de vida e outro para os ramos reais. qual era a filosofia? os parceiros têm posições pequenas e com eles montamos uma operação em portugal e no estrangeiro. depois desse amadurecimento veio a ideia de que deveríamos entrar nas aquisições, nas fusões. aí houve algo que podia ter sido feito em portugal e que era bom: na privatização dos bancos, o governo podia ter privilegiado os bancos privados que já existiam. em vez disso privilegiou as famílias e as aquisições com crédito. perdeu-se a capacidade de decisão no nosso país. todos os bancos que foram privatizados mudaram de mão. o único que não mudou foi o espírito santo. nessa altura, temos a noção que devemos adquirir para termos uma afirmação na europa. é quando adquirimos o bpa.

não foi um processo pacífico.
à primeira não conseguimos, mas depois juntámo-nos com a império. em 1998 já tínhamos o atlântico perfeitamente assimilado, tínhamos feito a servibanca para termos uma base operacional eficiente para os restantes bancos e companhias e começámos a estudar outra aquisição. em 2000 foi possível fazer o interbanco, o banco pinto & sotto mayor e o mello e ficámos a ser o maior banco português. nuns mercados, maiores do que a caixa geral de depósitos; noutros, logo atrás.

em 1992 ou 1993 há um momento importante com a saída de américo amorim.
o amorim sai em 1996 mas a amorim investimentos saiu em 93.

não ficaram amigos…
não foi por amizade. nestas coisas nem há opus dei nem amigos. as coisas são como são. não houve divergência nenhuma! o américo amorim adora o bcp, adora tanto que não veio comprá-lo! uma coisa é a família amorim, outra coisa é a amorim investimentos.

em 2005, escolheu paulo teixeira pinto, à data elemento do opus dei, para seu sucessor na presidência do bcp. arrependeu-se?
[risos] o dr. paulo teixeira pinto foi escolhido consensualmente. a sua escolha foi avaliada por dezenas de pessoas em muita liberdade, porque foi um processo sigiloso. não houve outro critério que não o profissional.

teixeira pinto teve culpa na guerra no bcp entre 2006 e 2008?
ninguém pode dizer que a culpa foi de a ou de b. podem dizer, porventura, que a foi o motor para determinados interesses e b para outros. tanto assim foi que, quando paulo teixeira pinto propõe a destituição de cinco administradores, é ele que sai. e sai por vontade óbvia de quem, até aí, dizia que o queria. eu era presidente do conselho geral de supervisão quando o bpi faz a oferta amigável para uma fusão e diz que deseja a minha permanência no banco. eu respondo que concordo com a fusão, mas que prefiro que o dr. pinhal tenha total liberdade para liderar o futuro do banco. as mesmas forças que puseram o paulo teixeira pinto fora e que fizeram tudo para que eu saísse, descredibilizando-me, fizeram tudo para que o dr. pinhal também não ficasse.

a verdade é que nunca os jornais publicaram uma quantidade de informação tão significativa sobre questões internas de um banco, por natureza uma organização sigilosa…
por isso é que saíram milhares de milhões do sector private do banco.

pensa que isso visou a sua destruição?
não… permite-me pensar que a cultura anterior do banco não permitiria que isso acontecesse. era preciso que o engenheiro jardim, o dr. paulo teixeira pinto e o dr. pinhal saíssem. não houve mais nada, nem problemas com a sonangol, nem saudades do poder. não houve nada disso. era preciso descredibilizar as pessoas para que estas saíssem. e depressa.

para que entrasse quem?
para que entrasse alguém que fosse dócil para quem governa e para determinados interesses. hoje não estamos a discutir quem manda no país, se é o ps ou o psd, se é o bloco… o problema que se analisa é que rede de pessoas é que está a tomar conta de determinadas coisas.

concorda com filipe pinhal, que o governo de sócrates tomou de assalto o bcp?
não há três administradores da caixa geral de depósitos a saírem que o primeiro-ministro não saiba… não há! não sai um que o primeiro-ministro não saiba, quanto mais três! não saiba, não aprove e não aplauda! sem influência no sistema financeiro para ir tomar dívida pública como foi feito, não se tinha chegado ao ponto a que se chegou.

como vê o reforço da sonangol no bcp?
prejudica o valor da acção saber que uma instituição está dependente da capacidade financeira de um determinado accionista. o projecto bcp foi este: ter um modelo de administração que não seja dependente de um investidor. a sonangol está interessada em gerir um banco? se calhar não está. uma petrolífera não consolida um banco. no dia em que a sonangol tenha menos capital, a posição vale mais. já o disse e sei que a sonangol compreende isto: pode comprar 100% do capital do bcp, mas se o fizer não tem outros investidores. um accionista pode ter 4% do capital e mandar imenso num banco, não precisa de ter 20%.

o que sentiu quando foi inibido de exercer funções na banca pelo banco de portugal? inibição essa que o_tribunal anulou recentemente.
a coisa mais estranha da vida. de todos os reguladores que conheci no mundo, não era nunca o banco de portugal o regulador que eu podia esperar que um dia viesse com isso. é dos maiores erros que aconteceram em portugal, mas não serei eu a julgar isso. estão em curso os julgamentos do processo da cmvm e do ministério público [mp]. há uma coisa importante: o mp fez cair a acusação mais grave: a de burla.

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