sob o título genérico ‘a perspectiva das coisas’, tanto a primeira parte, dedicada aos séculos xvii e xviii, como esta, dedicada aos séculos xix e xx, reuniram várias dezenas de quadros preciosos, provenientes de vários museus, além dos que pertencem à colecção da própria fcg. como, na semana passada, me comprometera a escrever sobre as memórias da ii guerra, de churchill, passou a oportunidade de recomendar aos distraídos e aos retardatários esta ocasião única de ver alguns dos quadros dos pintores mais importantes do seu tempo, que, depois do advento da fotografia, em meados do século xix, foram levados a procurar, já no século xx, outros caminhos para a pintura.
graças a um catálogo com muitas pistas para entendermos a evolução do género, da responsabilidade do comissário neil cox, podemos acompanhar os caminhos diversos que os pintores escolheram para abandonar a preocupação inicial de retratar a natureza jazente dos objectos: desde os extraordinários quadros de cézanne, o pai indiscutível do modernismo (a natureza morta foi talvez o género em que se sentia mais à vontade para cumprir o seu programa de reduzir a pintura a cores e volumes) até ao cubismo, ao surrealismo, à utilização de objectos do quotidiano (notável a colagem de eduardo paolazzi, eu era o brinquedo de um homem rico, de 1947, verdadeiro precursor da pintura pop), até aos ready made de duchamp, a exposição dá-nos a ver e perceber o percurso que vai da procura inicial de realismo à desmontagem dessa ilusão ‘burguesa’, que marca a ruptura da pintura ‘moderna’ com a sociedade do início do século.
esta nova exposição dá-nos oportunidade de sublinhar o papel da fcg na vida cultural portuguesa, ao longo de meio século. o que deve ser enaltecido é a forma como a fcg, em pleno salazarismo, através do génio visionário do seu primeiro presidente, azeredo perdigão, conseguiu preencher lacunas que o provincianismo e a indigência do regime não asseguravam, enfrentando mesmo o poder salazarista e marcelista, com um misto muito hábil de diplomacia e firmeza: atribuição de bolsas de estudo sem discriminação política, criação do instituto gulbenkian de ciência, organização de retrospectivas de cinema (rossellini e as várias décadas do cinema americano, por exemplo) e apoio ao novo cinema português, sessões de música clássica e de jazz, conferências, edições, além do próprio museu e, mais tarde, do centro de arte moderna, para não falar dos fantásticos jardins desenhados por gonçalo ribeiro telles. com a democracia e o apoio estatal às artes, a fcg optou por um perfil mais discreto, optando por suprir carências sem se substituir às políticas públicas, mas com uma seriedade e rigor que fazem dela, num país onde proliferam fundações oportunistas e sem dimensão, um caso exemplar.
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