O disparate de Cavaco

Cavaco Silva sempre foi uma personagem muito pouco querida nos dois lados da barricada política: o eleitorado tradicional de direita nunca lhe perdoou as suas origens rurais, achando que não tinha nem tem pedigree.

o seu sucesso, quer enquanto primeiro-ministro quer como economista respeitado, sempre foi desvalorizado por aqueles que andaram de sobretudo loden verde na campanha presidencial de freitas do amaral. os chamados benzocas ou pretendentes a tal.

no que diz respeito ao eleitorado de esquerda, nomeadamente aquele que navega pelas profissões liberais, cavaco sempre foi sinónimo de incultura e o grande obreiro do cimento que cobriu o país de uma ponta à outra. tanto para uns como para outros, qualquer deslize do actual presidente servia para afiar os dentes e destilar algum, muito, veneno. quem não se recorda das imagens, que passaram vezes sem conta, de cavaco a comer bolo-rei de boca aberta? mas se os bem-pensantes dos dois lados da barricada nunca gostaram do professor de economia que subiu na vida a pulso, o que também não deixa de ser verdade é que o dito povo lhe deu duas maiorias absolutas para governar o país e mais recentemente o elegeu duas vezes para o cargo de presidente darepública. cavaco silva sempre foi um político muito astuto que sempre disse o que queria e no momento que queria. mas também é verdade que demonstrou, algumas vezes, uma inabilidade total para ganhar mais adeptos ou para mantê-los.

por outro lado, sempre foi muito vulgar para a direita e muito ‘rico’ para a esquerda. quando há dias demonstrou a sua indignação pelos cortes que as suas reformas estão a sofrer – mais de 60 % nos dois últimos anos – demonstrou uma vez mais a sua ingenuidade desconcertante, pondo-se a jeito para sofrer ataques de todos os lados. não foi feliz, é certo. e também não foi correcto ao falar apenas da reforma mais baixa que recebe: 1.300 euros. esqueceu-se da outra que anda por volta dos 7 mil euros… ao dizer que não sabia se conseguiria fazer face às despesas sem recorrer às poupanças, caiu no ridículo. cavaco está a falar de dinheiro que descontou ao longo de 40 anos de trabalho, mas esqueceu-se que muitos portugueses que descontaram durante 40 anos vão ficar numa situação bem pior do que a sua.

o que o presidente da república disse é um disparate, mas nada mais do que isso. nos eua, um dos candidatos do partido conservador está em maus lençóis não por ter ganho no ano passado perto de 16 milhões de euros, mas por ter pago uma taxa de impostos mais baixa do que o comum dos mortais. isso sim, é um problema moral complicado, apesar de não ser ilegal.

vitor.rainho@sol.pt