este é o seu quinto álbum. qual é a proposta?
tenho sempre a pretensão de não me repetir e este álbum não foge à regra. experimentei sonoridades diferentes e acho que é um passo em frente na minha carreira.
há um aprofundamento da identidade lusófona neste trabalho. porquê?
sem dúvida! o hip hop, na sua génese, é uma cultura anglo-saxónica, nasceu nos estados unidos. mas hoje em dia já se tornou universal e perguntam-me muitas vezes se já se pode falar de hip hop ‘tuga’. eu acho que sim e isso passa, exactamente, por fazer coisas que não se ouvem em mais lado nenhum. o ‘deixou-me’ [com rui veloso], por exemplo, sem deixar de ser hip hop, é uma música que um americano nunca saberia caracterizar. da mesma forma que o tema ‘alguém me ouviu’, do álbum anterior, com a mariza, tem uma referência de fado, sem deixar de ser hip hop. isto é super interessante porque é só nosso. é isto que me interessa e é esse o caminho para podermos falar num hip hop luso.
há outras influências sonoras aqui. quais?
essa tendência já vem de trás. nunca quis estar preso a rótulos e estas referências todas fazem parte daquilo que eu sou. cresci com as minhas raízes africanas, de cabo verde, como a morna, mas também com o funk, o soul, o reggae, a música portuguesa e brasileira. por isso é muito fácil incorporar esses elementos na minha música e não ter preconceitos em usá-los.
costuma dizer que o boss é o rapper e o ac o ângelo césar. este disco chama-se ac para os amigos. qual é a mensagem?
quando gravei ritmo, amor e palavras, em 2005, já queria ter assinado só como ac, mas artisticamente já vinha tarde. o nome boss é forte, faz sentido na música, mas na minha vida pessoal não faz. todos os meus amigos tratam-me por ac e quando me apresentam como boss, eu corrijo logo e digo ‘não é boss, é ac para os amigos’. foi assim que o nome do álbum surgiu, numa dessas situações de apresentações. além disso, gosto de pensar que estou sempre a fazer música para os amigos.
o primeiro single, ‘sexta-feira (emprego bom já)’, é uma sátira à crise e já conta com mais de 440 mil visualizações no youtube. como surgiu?
essa música é uma série de felizes coincidências. quando comecei a trabalhar nela, só tinha uma ideia para a música, mas não tinha a letra. quando fui para estúdio peguei no computador e apanhei uma letra que estava a trabalhar que se chamava ‘precário’. era uma canção bem mais séria e não tinha este lado de ironia e de sarcasmo que o ‘sexta-feira’ tem. gravámos a letra com a estrutura musical que tinha pensado para o ‘sexta-feira’ e comecei a achar que fazia sentido. apesar de ser uma música bem-disposta, a mensagem acaba por ser mais eficaz assim. sabia que ia deixar as pessoas surpreendidas, mas na verdade quem ficou surpreendido fui eu.
o hip hop é o género que mais críticas sociais faz. acredita nesse poder de protesto da música?
o hip hop tem uma linguagem objectiva e crua, mas nenhuma música pode menosprezar o seu poder. eu, pelo menos, tento sempre passar uma mensagem, mesmo que não seja de cariz social. no ‘sexta-feira’, apesar do discurso meio derrotista, transmito alguma esperança.
tem colaborações de peso neste álbum. como surgiram?
os músicos que colaboram comigo são sempre amigos. o rui veloso, por exemplo, já me conhece desde pequenino, por causa da minha mãe [a cantora cabo-verdiana ana firmino], e o convite para este álbum surgiu por acaso. estava a gravar no estúdio dele, tinha uma pessoa em mente para essa música que não estava disponível e pensei em não a incluir. um dia o rui apareceu no estúdio, ouviu o tema e disse-me logo: ‘isto está muita giro, faz lembrar a chula, mas ao mesmo tempo o batuque de cabo verde’. quando lhe disse que ia ficar na gaveta, ele protestou e eu, automaticamente, perguntei-lhe se queria gravar comigo. ele aceitou logo e não houve mesmo mais latim.
e o gabriel o pensador?
também foi uma feliz coincidência. somos amigos há quase dez anos e sempre houve ameaças de músicas. há uns meses ele veio a lisboa, contei-lhe que estava a acabar o álbum e percebemos que esta era a oportunidade para trabalharmos juntos. ‘um brinde à amizade’ é a música que fala mais directamente da lusofonia, e desta história e língua que nos une.
a música tem de ser sempre partilhada?
gosto de trabalhar com quem me identifico, mas apesar de ter sempre colaborações, o meu processo criativo até é bastante solitário.
porquê?
sou muito perfeccionista e os meus álbuns são partos muito difíceis. aos poucos, estou a tentar deixar de ser tão exigente comigo mesmo e agora tento divertir-me mais em estúdio.
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