Das duas uma

Em dezembro passado, o deputado Mendes Bota, presidente da Comissão para a Ética, Cidadania e Comunicação (CECC), organizou um debate, aberto ao público, sobre a polémica privatização de um canal da RTP.

aproveitei a oportunidade para lhe sugerir que organizasse urgentemente um outro debate sobre a anárquica implantação da tdt, que há muito venho denunciando, pela fraude que representa para os cidadãos (sobretudo para os mais carenciados e os menos informados) e por ser uma oportunidade perdida para o serviço público de televisão, de alargar a sua presença nesta nova plataforma, ao arrepio do que têm feito todas as tvs europeias.

mendes bota aceitou prontamente o repto e, na passada terça-feira, organizou um debate para o qual me convidou, desta vez na qualidade de orador, juntamente com eduardo cardadeiro, administrador da anacom, e sergio denicoli, investigador da universidade do minho, que se tem empenhado em denunciar o que considera as práticas enganosas e a promiscuidade de interesses entre o regulador e a pt, a empresa que ganhou a concessão para a gestão do multiplex, que obriga as populações a ‘migrar’ para o digital.

o debate contou também, nas bancadas, com a participação de alguns autarcas que vieram ao parlamento apresentar as suas queixas sobre a forma como as populações estão a ser forçadas a despender verbas, por vezes incomportáveis, para ficar exactamente com o mesmo serviço que tinham antes do switch-off: os quatro canais generalistas; e, nalguns casos, a forma como os agentes das plataformas pagas (zon e meo) se têm servido da ignorância das pessoas para impor a subscrição dos seus serviços.

perante este grave descalabro, impõem-se duas coisas: uma rápida reparação dos prejuízos causados às populações e a travagem dos danos futuros; e, em segundo lugar, um debate nacional sobre as medidas avulsas, nebulosas e contraditórias que têm sido anunciadas relativamente ao desmantelamento da rtp, cujas consequências teriam efeitos desastrosos para o país, a nível cívico, cultural e económico.

há hoje a percepção clara de que a introdução da tdt foi um processo mal estudado e mal conduzido. se é certo que as responsabilidades vêm de governos anteriores, não é menos verdade que este nada fez para o melhorar ou corrigir. pelo contrário, anunciou medidas que fragilizam a rtp, que poderia e deveria ser, neste momento, o grande impulsionador da tdt, como tem sido noutros países. a título de exemplo, se viesse a concretizar-se a venda a um privado de um canal da rtp, portugal seria, com o luxemburgo, o único país da ue a ficar com um único canal público de tv; e é, neste momento, o país europeu com menos oferta de canais na tdt: os mesmos quatro que já existiam, contra 53 na alemanha, 48 em espanha, 33 em frança, 59 no reino unido, 41 na suécia ou 39 na dinamarca. se isto não é um escândalo e um desperdício, digam-me o que é.

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