Vocalista dos Simple Minds em entrevista ao SOL antes do concerto em Lisboa

Os Simple Minds regressam a Portugal na terça-feira, com um concerto no Coliseu dos Recreios. O SOL almoçou com Jim Kerr, vocalista de 52 anos que confessa continuar inseguro na hora de subir ao palco.

chega de sorriso escancarado e máquina fotográfica na mão. assim que começa a ser fotografado, responde com um movimento semelhante: levanta a sua discreta leica preta e dispara algumas vezes na direcção do fotógrafo do sol. «durante anos nunca fotografei nada. mas ultimamente tenho pena de não ter registado alguns momentos», diz-nos mais tarde, esclarecendo, porém, que não é um fotógrafo compulsivo.

a preocupação começou há poucos meses, com o nascimento dos dois netos gémeos (que partilha com chrissie hynde, vocalista dos pretenders, a sua primeira mulher). até aqui, sempre se auxiliou apenas das palavras para contar a sua história, mas no futuro, apercebeu-se entretanto, quando quiser explicar aos descendentes o que é isto de ser uma rock star, a narrativa pode não ser suficiente. mesmo para jim kerr, vocalista dos simple minds, que durante um almoço com o sol revelou ser um contador de histórias nato e proprietário de uma memória intocável.

a presença do músico em lisboa, duas semanas antes do concerto no coliseu dos recreios (na terça-feira, dia 14), deveu-se a motivos de promoção do novo espectáculo da banda escocesa, intitulado ‘5×5’. a digressão europeia arranca na capital portuguesa e jim kerr, 52 anos, está entusiasmado com o regresso. «podem esperar uma grande banda. claro que é impossível regressar ao passado, mas se fizermos tudo bem vamos conseguir recordar a atmosfera desses tempos áureos», garante. mas, para isso, há sacrifícios para cumprir. e emagrecer é um deles.

às idas diárias ao ginásio, jim kerr junta agora refeições ligeiras, magras em calorias. «é uma salada grega, por favor», pede, depois de uma análise muito fugaz à carta do restaurante oito dezoito, na baixa pombalina. e fica-se por aqui, suscitando uma indiscrição imediata. «come sempre tão pouco?», perguntamos. «não, estou de dieta», confessa, meio resignado, enquanto suspira pelo risotto de ervilhas e vieiras que aterra mesmo ao lado, não resistindo a uma garfada de degustação.

«é por causa da digressão. não posso ficar o espectáculo todo de casaco vestido… vou morrer de calor», explica, extremamente bem-disposto. «quero sentir-me em forma em palco. o público reage a isso. se apareces gordo e flácido és motivo de chacota. o público responde à energia dos músicos que estão em palco e nós queremos mostrar que não estamos acabados».

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os simple minds já tocaram em portugal várias vezes, mas, como em tudo na vida, a primeira experiência é sempre aquela que melhor se instala na memória. «foi em 1980 e viemos fazer a primeira parte de um dos nossos heróis: um senhor chamado peter gabriel. ele convidou-nos para fazer a digressão europeia e nessa altura ainda não éramos muito conhecidos», conta, a respeito da tournée de peter gabriel ‘games without frontiers’, no dramático de cascais. «lembro-me perfeitamente que era um acontecimento importante», continua. especialmente porque «nessa altura ainda não havia muitos concertos em portugal».

segundo jim kerr, o entusiasmo do público percorria a sala e o nervosismo da banda escocesa, nesta altura ainda pouco hábil nas lides de palco, foi minimizado pela excitação global que se sentia. «adorámos a experiência de abrir para o peter gabriel numa parte da europa que ainda desconhecíamos, mas também porque havia um pequeno grupo de fãs, nas primeiras filas, que nos deu imenso apoio», recorda. mas a euforia desapareceu mal o espectáculo acabou, quando perceberam que tinham «de voltar para glasgow nessa noite… de carro».

«é incrível como, quando somos jovens, adoramos este tipo de experiências, mas agora quando me ocorre ‘podia fazer isto tudo outra vez’ percebo logo que é mentira. fico rezingão no aeroporto se um avião se atrasa, imaginem se tivesse de percorrer outra vez a europa toda de carro…», refere, reforçando com humor: «ainda bem que a única coisa que vamos trazer do passado são as canções».

passado influencia o futuro

a ideia de fazer o espectáculo ‘5×5’ – com a banda a recuperar cinco canções de cada um dos seus primeiros cinco álbuns, num espectáculo que se prevê de duas horas e meia – aconteceu por acaso. jim kerr reconhece que há muito que os simple minds queriam recuperar as canções dos primeiros discos, mas a vontade de serem «criativos em relação ao futuro» pesava sempre mais na balança. «quando a emi nos disse que tinha vontade de remisturar os primeiros álbuns percebemos logo que esta era a oportunidade para tocarmos as músicas antigas e ainda organizar uma digressão».

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sem estarem à espera, assim que regressaram à sala de ensaios para desempoeirar os temas antigos as surpresas começaram a surgir. o primeiro a sair do baú foi ‘celebrate’, canção que não tocavam há 28 anos. «no final desse ensaio, alguns técnicos mais jovens vieram ter connosco e disseram ‘a nova canção é incrível’», conta jim kerr, entusiasmado com a influência que o passado, de repente, tem no futuro. «estamos há alguns meses a trabalhar em novas canções e elas também têm muito o espírito das coisas antigas. como estamos simultaneamente a remisturar os primeiros temas, isso tem-nos influenciado».

ainda assim, o vocalista confessa que nem sempre é fácil sentir-se ligado a canções escritas há mais de 30 anos. «tenho de ser honesto e admitir que é preciso entrar na personagem. eu mudei e há letras que já não consigo sentir». um desses exercícios de interpretação acontece, curiosamente, com o maior êxito de sempre da banda.

‘don’t you (forget about me)’ saiu em 1985. integrado na banda sonora do filme o clube, foi o único tema dos simple minds a conquistar o número 1 da tabela de vendas norte-americana e foi responsável pela explosão da banda na década de 1980. por isso, quando jim kerr revela que os simple minds recusaram, durante meses, gravar o single, o espanto é enorme. «acho que dissemos ‘não’ à editora umas quatro vezes», recorda, esclarecendo que a principal razão para não quererem gravar a canção prendia-se com o facto de não a terem escrito. «também achávamos a letra desinteressante».

o conflito com a editora só terminou quando keith forsey, o autor de ‘don’t you (forget about me)’, voou até glasgow para conhecer a banda. «gostámos dele instintivamente», recorda jim kerr, explicando que forsey não revelou logo a paternidade do tema. «só ao fim de alguns dias, quando percebeu que tínhamos simpatizado com ele, é que nos contou a verdade. disse-lhe logo:‘gostamos de ti, mas não gostamos lá muito da tua canção’», continua, admitindo que os simple minds acabaram por gravar o single por amizade a forsey.

por não acreditar na qualidade da canção, foi com perplexidade que, alguns meses depois, o músico viu ‘don’t you (forget about me)’ a galopar o top de vendas norte-americano. «quando chegou a número 1 estava em nice, sozinho, a passear. eram umas quatro da tarde e pensei: ‘provavelmente nunca mais vais ser número 1 na américa por isso tens de comemorar’. estava no bar do hotel, pedi a garrafa de champanhe mais cara e disse para a oferecerem a todas as pessoas que entrassem no bar. mas como não bebo, ao fim de uma hora já estava tão zonzo que fui dormir».

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vive em itália e adora futebol

apesar de ser, «muito provavelmente, o único escocês que não gosta de uísque», jim kerr partilha uma paixão com todos os habitantes de glasgow: é «maluco» pelo celtic. «disse ao motorista [que o acompanhou durante a estadia em lisboa] que adoro o jorge cadete, porque ele jogou no celtic, e ele meteu-me ao telefone com ele. nem queria acreditar! estava a falar com ele e só me apetecia cantar: ‘there’s only one jorge cadete, he puts the ball in the netty’», conta, bem-disposto, revelando que parecia uma criança a falar com um ídolo.

curioso, quando se é uma estrela da música internacional. mas jim kerr esclarece: «é fantástico ser uma rock star no palco, mas não conseguiria viver sem o anonimato no meu dia-a-dia». e, ao contrário do que se possa imaginar, o líder dos simple minds garante que é possível passar despercebido. «o peter gabriel ensinou-me a fazer isso, a ter o melhor dos dois mundos. e nem é preciso andar com um disfarce. basta ser discreto, enfiar um boné na cabeça e dispensar os seguranças».

é isso que tem feito em itália – mais concretamente na sicília, onde vive há 15 anos e possui um pequeno hotel de charme – e nas viagens que faz regularmente, sozinho, pelo mundo. «adoro os povos latinos, porque têm uma abertura muito apelativa e semelhante à dos escoceses, mas agora ando muito interessado no oriente. a minha namorada é japonesa e acabei de visitar o japão, singapura e hong kong. já fui ao nepal várias vezes e gostava muito de ir de comboio até ao tibete», conta, sublinhando que, além da música, viajar sozinho é o que mais gosta de fazer.

alexandra.ho@sol.pt