O fim da paridade

Pertenço à última geração a ser educada com medo, sentimento que tentámos poupar aos nossos filhos, porque acreditámos que lhes podíamos dar uma educação diferente, mais próxima, mais cúmplice, menos rígida e mais compreensiva.

tinha medo do meu pai; como quase nunca se zangava, quando isso acontecia, é porque tinha razão. tinha medo de entrar na sala, de abrir a tampa do gira-discos e de lhe riscar os discos, por isso, tornei-me uma pessoa cuidadosa. tinha medo da minha mãe quando chegava atrasada a casa porque sabia que ela me podia castigar. resultado: hoje, raramente me atraso. e a seguir à revolução de abril, quando ambos ficaram sem trabalho, todos tivemos medo que o dinheiro faltasse, o que me ensinou a ser poupada.

eram outros tempos – mais fáceis para a harmonia familiar, porque em vez de haver apenas um adulto em casa, como acontece hoje em dia com a predominância das famílias monoparentais, existiam dois ou três. o terceiro era um avô ou uma avó, ou uma empregada quase sempre membro integrante da família. na minha casa era a antónia, com quem desabafava quando achava que os meus pais estavam a ser demasiado duros comigo. o equilíbrio era estável: o meu pai fazia de polícia bom, a minha mãe de polícia mau e a antónia de porto de abrigo, sem nunca desrespeitar a autoridade dos patrões a quem sempre foi dedicada.

tive muita sorte, porque os meus pais, a antónia e os meus dois irmãos mais velhos mantiveram-me sempre na linha. cresci a acreditar que nada se consegue sem esforço, que os mais velhos são quase sempre donos da razão, que temos de provar aos outros que somos bons se queremos ser reconhecidos, que o trabalho cumprido é um alívio e que, quando me desvio da minha rota, aparece sempre alguém para me ajudar a entrar nos eixos.

a alteração da estrutura familiar e a liberalização de costumes, acompanhadas do culto do diálogo e da liberdade de expressão, trouxe às novas mães um conjunto de problemas que ninguém estava preparado para enfrentar. falo com as minhas amigas e todas as que têm em mãos a tarefa de educação dos filhos a uma só voz se queixam do mesmo: os rapazes pensam que são os machos alfa do lar e olham-nos, sob muitos aspectos, como uma igual.

e a culpa é nossa. fomos nós que quisemos que os filhos não crescessem em ilhas; é da nossa responsabilidade as atitudes de à-vontade e de arrogância debaixo do nosso tecto. não são casos isolados – é uma questão geracional. se eles são mais evoluídos e informados, se são mais conscientes com o álcool, com o sexo e com as drogas, também é verdade que só têm medo de nós em situações extremas.

voto pelo fim da paridade entre pais e filhos, por ser uma falácia irresponsável com consequências imprevisíveis. um pai ou uma mãe só se pode tornar no melhor amigo quando os filhos já cresceram. até lá, cada macaco no seu galho, a bem da família e da paz doméstica.