Muitas histórias se passam na nossa ausência e há sempre detalhes que só se alcançam passadas algumas noites. Estávamos nós na ‘sacanagem’ do costume – não há nada melhor à noite do que fazer partidas aos amigos – quando reparámos que alguém estava em preparos pouco habituais. Para ele não existia mais ninguém nas redondezas. Beijava a amiga como se o mundo fosse acabar dali a instantes e não havia maneira de descolar. Nem mesmo os nossos reparos o faziam abrandar. Tal era a euforia que, passado pouco tempo, acabou por cair na pista de dança, levando a amiga consigo a cumprimentar o chão. A sua destreza foi impressionante, a garrafa que transportava na mão manteve-se entre os dedos e resistiu à queda. A risota foi geral e houve até quem se tenha lembrado de Camões a salvar os Lusíadas.
Já recompostos, retomaram a dança do equilíbrio, agarrando-se mutuamente e não dando sinais de quererem parar. Aos olhos dos outros, a história podia parecer um pouco imprópria. Um mariolão aos beijos no meio da pista, como se estivesse nalgum concurso do Guinness a tentar bater o recorde de suster a respiração. Por mim, acho que fez bem. Estavam a divertir-se e, neste tempo de conversas depressivas, alguém dava sinais de estar feliz.
Quando finalmente foi arrastado para fora da discoteca, atendendo a que as forças se estavam a esgotar e o desequilíbrio era evidente, ainda os vimos a lamentarem-se de ninguém os compreender. Quem sai pouco à noite gosta de agarrar o momento e pouco se importa com o que os outros pensam. É natural que assim seja. Ainda há uma certa ingenuidade que a maioria perdeu há muito. Voltei a encontrá-los uma semana depois e estavam muito mais recatados. Também é certo que não estariam tão bebidos e o ambiente era outro. Mas se a vida se faz de momentos, acredito que aquele não vão esquecer tão depressa. Porque foi diferente, insólito e genuíno.
vitor.rainho@sol.pt