muito atacado por uma parte dos cineastas que queriam à viva força manter o cinema longe da contaminação dos outros media (quando era uma utopia manter imaculada uma indústria cujo financiamento deixara há muito de vir maioritariamente das salas), acabei por me demitir e o sna, rapidamente, por se extinguir. mas não foi a oposição desse grupo de cineastas o responsável por o projecto ter ido parar ao cesto dos papéis; foi, sim, a falta de entendimento e colaboração entre as três tutelas: cultura, comunicação e telecomunicações. perante a incapacidade de cavaco silva em meter na ordem os seus ministros, o cinema continuou a depender exclusivamente da arbitrariedade dos subsídios do estado. resultado: somos, de longe, o país europeu com a mais baixa taxa de frequência de filmes nacionais, que chega a ser 50 vezes inferior à média europeia que é de 20% a 23%.
o desperdício de dinheiro que isso representa e o empobrecimento da ficção nacional (cinema e tv) que, hoje, na sua maioria, não diz nada aos portugueses, é colossal, em termos económicos e culturais. como se diz no documento subscrito pela larga maioria das associações do sector, que acaba de ser entregue ao sec, «se a quota de mercado do cinema nacional fosse próxima da europeia, isso significaria uma receita de aproximadamente € 16 milhões só nas salas de cinema. € 16 milhões que ficariam no país e que seriam, pelo menos em parte, reinvestidos na produção de conteúdos».
vem isto a propósito da situação caótica que se vive neste momento no domínio das políticas públicas que deveriam regular a produção de conteúdos em português para o cinema e o audiovisual. mais uma vez, a falta de articulação entre os vários responsáveis (viegas, relvas e álvaro) e a clara incapacidade do pm em assumir essa coordenação, arrisca-se a conduzir-nos a um panorama negro: ameaças de privatização de um canal da rtp, que teria consequências trágicas sobre o financiamento do cinema e do audiovisual, dramática situação da tobis, vítima de uma privatização em fatias, com desprezo pelo extraordinário know-how acumulado pelos seus excelentes profissionais e que, além de outros efeitos, invalida qualquer política de atracção de produções para o nosso país, grave abuso e desperdício na implantação da tdt, paralisia dos concursos do ica, risco de perda de cerca de € 60 milhões do fica, e uma lei do cinema e do audiovisual que, na sua concepção, contradiz o próprio programa do governo.
é certo que este governo não é responsável pelo desleixo e pelos erros cometidos ao longo dos anos pelos seus antecessores, mas, ao cabo de mais de meio ano de governação, era de esperar que, no mínimo, não os agravasse.
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