surge na primeira metade do século xvii pela mão de tirso de molina, na peça o sedutor de sevilha. ao que parece, d. juan terá sido inspirado não apenas em um mas em vários homens, uns melhores, outros piores, isto para não radicalizar o discurso no maniqueísmo redutor do bom e do mau.
o que fez de d. juan um mito foi a sua polarização feita por escritores e dramaturgos, tal como aconteceu com inês de castro, condenada pela história e reabilitada pela literatura. ou seja, a desmultiplicação da figura em diferentes interpretações produz um efeito de rastilho, aumentando a sua aura, tal como acontece na actualidade com os mitos modernos como madonna ou cristiano ronaldo; quanto mais se escreve sobre eles, mais poderosos se tornam enquanto referências cuja influência irá fatalmente ultrapassar a época que vivem.
acredito que o poder real do mito de d. juan tem a ver com a força motriz que o caracteriza e que, no final, o faz expiar todos os seus pecados, esse monstro a que comummente chamamos de desejo. o eterno sedutor é aquele que coloca no outro a corporização do desejo, tornando-o a seus olhos um objecto. poucas expressões são tão felizes e fiéis à sua semântica como a expressão objecto de desejo: objecto e desejo fundem-se num só, cegando de tal maneira os sentidos do sedutor, que este não encontra paz senão depois de o ter conquistado, dominado, devorado e rejeitado, numa perpétua e cruel caçada, sem consideração pelas pessoas e respectivos sentimentos, lágrimas e desesperos, como se estas só existissem naquele momento e para aquele fim. posto isto, podemos concluir que a forma de actuar de d. juan nada tem de louvável ou de heróico, pois em momento algum ele busca o respeito dos outros através das suas acções, o que, em última análise faz dele um inadaptado social. então o que faz com que o mito persista e se mantenha vivo e de boa saúde?
trata-se de um mito que se vende a si mesmo de forma inteligente; em primeiro lugar é dominado pela primordial força do desejo, perante a qual todo o ser humano mais tarde ou mais cedo acaba por se vergar; depois, ele mistura este desejo com a sua inesgotável capacidade de se enamorar. e mais, ele enamora-se sinceramente, ou seja, vive cada investida a cada novo objecto de desejo como se estivesse imbuído de sentimentos profundos, nobres e sérios. mas na verdade ele não passa de um oportunista emocional quando vai do tudo ao nada, convertendo uma paixão ardente em desinteresse, como se a posse física tivesse subitamente dissipado o outro.
d. juan pode considerar-se como o primeiro mito do oportunista emocional, aceite pela arte e, consequentemente, pela sociedade. e é assim que o imaginário colectivo mina a realidade. acredito que este mito está na origem de muitos comportamentos menos respeitadores dos homens em relação às mulheres, quase sempre com a conivência destas.