Ainda sobre D. Juan

Terá sido D. Juan um homem feliz? A história diz-nos que não. Primeiro, porque viveu obcecado em possuir tantas mulheres quantas podia e depois porque, em algumas versões da história, passou os últimos anos de vida mergulhado em arrependimento profundo e auto-flagelador.

ele era insaciável porque o seu caminho o conduziu ao oposto daquilo que procurava. ao abandonar cada mulher que seduz, mal tem tempo para saborear o êxtase que tal encontro lhe proporcionou e essa insatisfação incita-o ao perpétuo recomeço. ora todos sabemos que os movimentos perpétuos não nos levam a lado nenhum.

a melhor metáfora que conheço para a repetição das mesmas acções sem obtenção de resultados é a roda do ratinho. ele vive confinado à sua gaiola; quando se quer mexer, à falta de espaço, salta para a roda e corre sem sair do mesmo lugar. d. juan fez isso a vida toda, não admira que a frustração e o vazio lhe tenham minado a existência.

a sedução é um vício como outro qualquer; há pessoas cuja existência é fatalmente atravessada por uma vontade incontrolável de seduzir as outras. há homens que querem seduzir todas as mulheres e mulheres que querem seduzir toda a gente. a compulsão em seduzir é muitas vezes inversamente proporcional ao grau de auto-estima. já a vontade de agradar, sempre, ainda que estejamos secretamente revoltados com a conduta do outro, é um sinal de fraqueza muito mais nocivo para o próprio do que para o próximo. e nisto, a igreja católica, ao boicotar uma predisposição do indivíduo em se amar a si mesmo e, em vez disso, incitá-lo a amar o outro, e sobretudo amar a deus, deixou o homem ocidental desprovido de defesas. quando pensamos em amor, pensamos quase sempre em relação a terceiros e quase nunca em relação a nós mesmos. a noção de amor-próprio é injustamente confundida com vaidade, egoísmo e egocentrismo.

o amor-próprio é aliás muito mais recente do que o mito de d. juan. quando somos pequenos, ensinam-nos a estudar, a respeitar horários e a cumprir rotinas, a apagar a luz quando saímos do quarto, a ouvir os mais velhos e a não dizer tudo o que pensamos, até nos tornarmos animais sociais decentes. mas, muitas vezes, esquecem-se de nos ensinar a gostarmos de nós próprios.

no entanto, a vida mostra-nos que as pessoas mais felizes e com maior capacidade de amar o outro de forma saudável são as pessoas com auto-estima mais elevada. um bom amante é aquele que se dedica ao nosso prazer, logo, tem de ser altruísta. e para ser altruísta, tem de estar seguro de si, tem de saber que ao dar irá receber em dobro, ainda que nem sequer esteja a pensar nisso.

um bom amante na cama não é necessariamente um bom namorado ou um bom marido, mas pelo menos tem potencial para vir a ser, se for isso que ele quiser, para ele e para nós. tenho algumas dúvidas de que d. juan fosse dedicado, atencioso e habilidoso na cama como seria fora dela. imagino-o sempre preocupado em dominar, em devorar, em deixar as damas sem ar. e um homem que não sabe ser um bom amante, provavelmente nunca será feliz.