o secretário de estado da cultura (sec) justificou esse adiamento pela necessidade de acautelar a aprovação prévia pela comissão europeia, para o que haveria hoje uma primeira reunião em bruxelas. ora, para além do que parece ser excesso de zelo, numa matéria em que é suposto o legislador conhecer os limites das obrigações e taxas impostas aos agentes envolvidos na exibição, difusão e comercialização das obras cinematográficas e audiovisuais, sem necessidade de previamente ir pedir licença a bruxelas, a actual proposta de lei não prevê taxar o único sector que poderia provocar controvérsia: as telecomunicações.
as previsões do sec em relação aos prazos de discussão, aprovação da lei (que aponta para o mês de junho), e posterior regulamentação, parecem, pois, optimistas, para não dizer miríficas. como a abertura de novos concursos (e os do ano anterior, que aprovaram vários projectos, não foram até agora respeitados) está dependente da aprovação da nova lei, e o fica continua parado, é legítimo temer que, sob o pretexto da ‘crise’, ninguém filme este ano. naturalmente preocupados com os brutais sacrifícios que lhes estão a ser impostos, é possível que, à maioria dos portugueses, este défice de ficção nacional não incomode sobremaneira. mas seria uma anormalidade num país da união europeia, que zela, melhor ou pior, pela sobrevivência de uma ficção europeia no grande e no pequeno ecrã.
por outro lado, a nova proposta de lei não é pacífica, entre outras coisas porque, no seu articulado, dá novamente prioridade aos critérios que vigoram há 40 anos e reforça a ‘política do gosto’, na medida em que privilegia o apoio às «obras cinematográficas de reconhecido valor cultural», o que contradiz as prioridades do próprio programa do governo, que se comprometia, pelo contrário, a «ter em conta os resultados de bilheteira e o número de espectadores obtidos pelos filmes anteriores dos produtores e realizadores candidatos a apoios, a fim de criar uma exigência de comunicação com o público». e, por fim, a lei, se bem que elaborada na ajuda, depende de tudo menos da sec, na medida em que o financiamento ao cinema vem, sobretudo, das tvs e das plataformas de distribuição de canais, que dependem de outros ministros, ideologicamente avessos a estas intervenções.
os que, como eu, admiram o escritor francisco josé viegas, não gostariam de ver o actual sec, por erros próprios e por falta de apoio político do primeiro-ministro e dos seus ministros, contribuir para lançar o cinema e o audiovisual num limbo em que, nem a lei em vigor é aplicada, nem a nova é aprovada em tempo útil, correndo o risco de comprometer a sobrevivência de uma actividade que tem vivido cronicamente sub-financiada e sem estratégia.
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