Mali fora de serviço

O golpe militar de 21 de Março no Mali é um fracasso total. Desde que a junta do capitão Sanogo derrubou o Presidente Amadou Toumani Touré em protesto pelo fiasco na contenção da rebelião tuaregue no norte do país, os separatistas tomaram as três principais cidades da região desértica onde pretendem estabelecer a República do Azawad.…

os rebeldes tuaregues do movimento nacional de libertação do azawad (mnla) controlam agora mais de metade do mali, se bem que anarquia é a palavra preferida por jornalistas e testemunhas para descrever a situação no terreno. isto porque o mnla não terá mais que um milhar de combatentes a ‘controlar’ uma área com o tamanho de frança e meia, conquistando localidades e içando a sua bandeira para as abandonarem dias depois. sem estado presente, o poder é assumido por milícias da minoria árabe e por movimentos islamistas radicais como o recentemente estabelecido ansar dine, suspeito de manter ligações à al-qaeda do magrebe islâmico  (aqmi) e de ser financiado pelos wahabistas da arábia saudita.

os salafistas querem instaurar a charia na região. a bandeira preta dos extremistas esvoaçava no início da semana sobre tombuctu. em gao e kidal, segundo a associated press, fundamentalistas rumam de loja em loja exigindo aos proprietários para retirarem das paredes qualquer imagem com mulheres de rosto descoberto.

há ainda relatos de crianças armadas por grupos criminosos. as pilhagens sucedem-se.

 

boicote a bamako

perante o caos no norte, a junta de sanogo pede auxílio militar aos parceiros regionais. contudo, a pressão da comunidade internacional centra-se em torno dos golpistas de bamako, a capital. vencido na segunda-feira um ultimato de 72 horas imposto pela comunidade económica dos estados da áfrica ocidental (cedeao) para a devolução do poder a touré e a garantia da realização de eleições presidenciais no final do mês, o bloco decretou o encerramento das fronteiras com o mali e o congelamento das contas do país no banco regional, o bceao.

a pressão começa a ser sentida pelos cidadãos, que acorreram às bombas de gasolina, num país de parcos recursos energéticos e que durante a estação seca produz toda a electricidade a partir dos combustíveis importados.

outro efeito temido, tanto do bloqueio económico como da violência a norte, é o agravamento da crise humanitária que cresce desde janeiro. as nações unidas estimam em 200 mil o número de refugiados do conflito tuaregue. metade fugiu para países vizinhos como a mauritânia, níger, burkina faso e argélia. a onu, cujo conselho de segurança debateu na terça-feira a situação maliana, prevê que o número aumente com a previsão de um período excepcionalmente seco no sahel, aliado a um mau ano agrícola.

no mesmo dia, e num aparente sinal de cedência de uma crescentemente desnorteada junta militar, o negociador-chefe mohamed ag erlaf disse estar disposto a negociar a paz com os tuaregues. horas depois, surgia o desmentido do mnla: «nem a comunidade internacional nem o povo do mali reconhecem sanogo. se negociarmos, tem de ser com um poder reconhecido».

pedro.guerreiro@sol.pt