nem guerra nem paz (como o título de um filme de woody allen), será mais correcto para descrever a actualidade em espanha. de um lado o governo de centro-direita de mariano rajoy, sem grande margem de manobra perante os dados da economia e os ditames de bruxelas e berlim; do outro a oposição, perante os mesmíssimos dados e o apoio das ruas.
antes de chegar aos 100 dias de governo, na sexta-feira passada, já o executivo do partido popular (pp) tinha perdido o chamado estado de graça que caracteriza os primeiros tempos de qualquer governo.
no dia anterior, a sétima greve geral na espanha democrática levou multidões à rua e afectou em especial os sectores dos transportes, indústria e o comércio dos grandes centros. segundo as duas centrais sindicais, quase 10,5 milhões de pessoas aderiram à jornada de luta. algumas manifestações acabaram em confrontos com a polícia e em actos de vandalismo. a face mais radical aconteceu em barcelona. a bolsa e vários estabelecimentos comerciais foram atacados. no rescaldo nacional, 176 pessoas foram detidas e 80 ficaram feridas. no final, cco e ugt anunciaram nova demonstração de força no 1.º de maio e ameaçaram com «conflito social crescente» caso o governo não considere voltar atrás na anunciada reforma laboral – que contém a segunda promessa quebrada por rajoy, uma vez que afirmara não tornar os despedimentos mais fáceis.
a primeira promessa a cair em saco roto deu-se em janeiro, ao aumentar os impostos sobre os rendimentos e os imóveis. o terceiro passo em falso chegou na semana passada com a apresentação do orçamento geral do_estado. se os cortes já eram esperados para poder alcançar a redução do défice (de 8,5% para 5,8%), o coelho tirado da cartola do ministro das finanças, uma amnistia fiscal, criou um charivari.
barbaridade fiscal
segundo a proposta de cristobál montoro, os cidadãos espanhóis que tenham fugido às obrigações fiscais podem agora fazê-lo de forma anónima e sem quaisquer consequências criminais, em troca de uma multa de 10% sobre o valor não declarado. desta forma o ministro augura que os cofres de madrid recebam 2,5 mil milhões de euros.
quantia que a oposição duvida, mas acima de tudo é questionada a medida – uma «barbaridade», segundo o próprio pp pela voz da vice de rajoy, dolores de cospedal, quando zapatero estudou essa hipótese em 2010. para o líder da oposição, o socialista alfredo pérez rubalcaba, trata-se de um «projecto político que consiste em cobrar mais impostos aos trabalhadores e ignorar o dos defraudadores». e questionou a constitucionalidade da amnistia (que governos do_psoe já tinham concedido nos anos 80). se a medida for avante não deverá arrecadar a receita pretendida. o deputado do pnv jose luis bilbao considerou a amnistia um «eufemismo» para «branquear capitais» e anunciou que a administração basca, com competência fiscal própria, não irá aplicar a excepção à lei.
facto é que o governo espanhol está metido numa camisa de 11 varas. por razões tácticas, o orçamento geral do estado foi adiado para depois das eleições na andaluzia e nas astúrias – e sem resultados práticos; na primeira comunidade autónoma, o pp teve mais votos mas falhou a maioria (e em relação às eleições gerais perdeu 430 mil votos), na segunda ficou em terceiro lugar. se os procedimentos para a aprovação do orçamento forem os normais, só em junho as medidas de austeridade entrarão em vigor, retirando a sua eficácia. do banco central europeu já chegou a madrid a indicação de que não há tempo a perder.
já se sabia que a quinta maior economia da europa está sob vigilância de bruxelas e berlim. a cartada quixotesca de rajoy, ao alegar a «soberania nacional» para não cumprir as metas do défice teve como resposta simbólica o mediático apertar do gasganete do ministro da economia, luis de guindos, por parte do presidente do eurogrupo, jean-claude juncker. em off há altas figuras eurocratas que aconselham o governo conservador a recorrer ao fundo de resgate europeu, que foi reforçado para 700 mil milhões de euros. mas esse é um cenário que rajoy nem quer ouvir falar.
o galego, que já sabia ter de enfrentar um cenário socioeconómico adverso, recebeu uma inesperada herança da era zapatero. o défice de 2011 acabou por ser 2,5% acima do previsto, graças à derrapagem das comunidades autónomas, cujas receitas fiscais estão dependentes do sector imobiliário.
com o desemprego a aumentar para 23,6% (quando há cinco anos era de 8,6%), o psoe prevê que o aumento da carga fiscal, entre outras medidas de a austeridade, leve ao encerramento de 2500 empresas e ao fim de 200 mil postos de trabalho).
e não faltam especialistas a avisar que as medidas de austeridade, ainda que entrem em vigor antes de junho, não chegarão. o aumento do iva virá a seguir.