Cahora Bassa muda de mãos

Acabou, finalmente, o impasse. Portugal anunciou que vai sair da gestão da barragem de Cahora Bassa até 2014. Moçambique ficará, assim, com os últimos 15% portugueses na Hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB) até 2014, uma vitória depois de uma luta renhida de dois anos.

depois de vários encontros, as autoridades de ambos os países chegaram, enfim, a um consenso. a delegação moçambicana, chefiada pelo ministro da energia, salvador namburete, concordou com os termos da alienação dos primeiros 7,5% que são de portugal a favor do estado moçambicano, sendo que os últimos 7,5% passarão também para as mãos de moçambique, no prazo de dois anos. a assinatura dos documentos finais destes acordos terá lugar em maputo, hoje e amanhã, com a presença do primeiro-ministro passos coelho.

o boom nas transacções portugal – moçambique disparou em 2007, aquando da reversão da hcb e no momento em que moçambique passou a ter a gestão efectiva de 85% das acções da barragem. anteriormente, moçambique controlava apenas 18% da infra-estrutura, o que, nos corredores do governo local causava um mal estar que contaminava os negócios.

segundo o embaixador de portugal, mário godinho de matos, depois de 2007, a atitude mudou. e voltou a retomar o optimismo em 2010, aquando da última visita do ex-primeiro-ministro português, josé sócrates, a moçambique. o governante luso prometeu então a venda dos seus 15%, argumentando que não fazia sentido «uma participação financeira do estado português» na hidroeléctrica.

o objectivo, anunciado naquela altura, era «fazer uma operação que permita que empresas moçambicanas e portuguesas fiquem agora ligadas ao projecto». em março de 2010, assinava-se assim um acordo, rubricado pelo ministro da energia de moçambique, salvador namburete, e pelo secretário de estado para o tesouro e finanças português, carlos costa pina.

namburete afirmou à imprensa local que o governo havia indigitado «a companhia eléctrica do zambeze para encarregar-se da aquisição de 7,5% das acções, sendo que os remanescentes 7,5% reverteriam a favor da portuguesa redes energéticas nacionais (ren)».

uma novela de dois anos

o primeiro sinal de alarme aconteceu em junho de 2010, quando o diário económico publicou uma notícia garantindo que o processo estava estagnado por divergências «consideráveis» na avaliação dos 15% da participação lusa. portugal queria vender a o bloco de acções pelo valor que havia adquirido e moçambique queria comprar pelo montante mais baixo possível.

o governo português explicava que, a preços de 2006, ano em que portugal passou as suas acções ao estado moçambicano, os 15% estavam avaliados em cerca de 140 milhões de euros (cerca de 6 mil milhões de meticais). em junho de 2011, o jornal moçambicano o país noticiava que os 15% portugueses valiam menos 22,5 milhões de euros. avaliada em 100 milhões de euros, em finais de 2010, a participação valia, em junho, 77,5 milhões de euros, como «resultado de estudos de avaliação realizados por entidades independentes», segundo se lia no relatório e contas da parpública, citado pelo jornal moçambicano.

nessa altura, o ministro da planificação e desenvolvimento aiuba cuereneia mostrou-se inflexível, dizendo à imprensa moçambicana que o acordo era claro e que 7,5% da participação teria de ser vendida à companhia eléctrica do zambeze. cuereneia não falou nas ditas divergências, nem admitiu que a débil situação económica portuguesa pudesse estar na origem do atraso. disse ainda que, até à data, «não houve qualquer contacto do governo português relativamente a esta matéria». recorde-se que tinham passado três meses desde o acordo assinado entre namburete e costa pina.

o fracasso da cimeira

em finais de novembro de 2011, dava-se a cimeira luso-moçambicana, em lisboa, onde se esperava que o assunto tivesse um fim. dois meses antes, o primeiro ministro português, passos coelho falava à imprensa moçambicana, à margem da 66ª sessão da assembleia-geral das nações unidas, no fim de uma audiência concedida pelo presidente armando guebuza. garantia que «estamos a preparar uma resolução para a participação de que portugal ainda dispõe na hidroeléctrica de cahora bassa», acrescentando que esta seria uma das matérias mais importantes da cimeira luso-moçambicana. mas, mais uma vez, dissidências nos valores da transacção conduziram ao impasse das negociações.

agora, segundo o comunicado enviado às redacções portuguesas, fica a saber-se que os 15% serão enfim alienados, não a empresas, mas sim ao estado moçambicano. de fora fica, em teoria, a ren, que no início de março passado mantinha o interesse em comprar os 7,5% da hidroeléctrica de cahora bassa. segundo o presidente da empresa, rui cartaxo, «a decisão foi tomada há vários meses: logo que haja acordo [entre o estado português e o estado de moçambique] no preço dos 15%, a ren está pronta para avançar com a compra dos 7,5%». este seria o primeiro investimento da ren com os novos accionistas, a state grid e a oman oil company, em moçambique.

optimistas estão os restantes investidores portugueses em moçambique que, com esta notícia, poderão contar com uma maior boa vontade com portugal.

marta.curto@sol.pt