como vai ser a exposição de versalhes?
o que vou fazer em versalhes é uma exposição da minha obra, com 17 peças, oito das quais concebidas especificamente para ali. vou fazer os aposentos da rainha, a galeria dos espelhos e um novo espaço que é a sala das grandes batalhas, onde vou instalar cinco valquírias suspensas. os meus antecessores [jeff koons, takashi murakami, xavier veilhan e bernar venet] fizeram os aposentos do rei, mas decidi não fazer essa parte.
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por ser a primeira mulher a expor no palácio?
além de ser um orgulho, isso acabou por orientar a minha exposição. o facto de ser a primeira mulher, e o facto de a presença das mulheres ser muito forte em versalhes, tem uma simbologia muito forte, até maior do que aquela que imaginava. com respeito a essa história, à qual só me posso adaptar, tive muito cuidado e a minha exposição foi-se alterando, também com a ajuda do comissariado do jean-françois [chougnet, ex-director do museu berardo], e ficando cada vez mais próxima da identidade da mulher em versalhes. daí que não vá fazer os aposentos do rei. podia tê-lo feito, tinha obras para isso, mas essa identidade feminina tornou-se o mote da exposição.
o facto de ter nascido em paris torna esta exposição mais especial?
nasci em paris, mas vim aos três anos para portugal. sou portuguesa! tenho a sorte de ser bilingue, por ter estudado no liceu francês, e isso dá-me uma vantagem no que diz respeito a conhecer aquela cultura muito bem. havendo esta ligação, o diálogo, a compreensão do local e a adaptação são muito mais fáceis. mas isso não faz de mim francesa, faz de mim próxima. é verdade que a minha segunda casa poderia ser frança, mas não é porque sou, sem dúvida, portuguesa.
mas há um nervosismo maior por ser versalhes?
o nervosismo é o normal para a complexidade desta exposição. há uma pressão não só ao nível da obra, como também a nível político, económico, social… o facto de ser portuguesa, de estarmos em crise, e mesmo assim expor em versalhes tem uma lógica que é muito pouco lógica. mas acho que este é o momento para mostrarmos que, mesmo em crise, somos capazes de fazer o melhor, a todos os níveis, tão bem feito quanto o luxo mundial. se não fizermos isto, perde-se uma oportunidade. é por isso que também quero levar [para a inauguração] o mestre avillez para fazer o jantar e a mariza para cantar.
a tapeçaria de portalegre, feita exclusivamente para esta ocasião, é um desses exemplos?
sim. estou a ter o privilégio de reunir um conjunto considerável da minha obra e ter versalhes como pano de fundo. por isso, também quero levar algumas coisas que são aquilo que fazemos de melhor em portugal. mas isto não é um esforço só meu. além da tapeçaria, estou a fazer uma peça para o quarto da maria antonieta com a fundação ricardo espírito santo silva [fress]. é um móvel, transformado em ovo, feito com todos os preceitos, embutidos e técnicas como se de uma peça para versalhes se tratasse. é uma forma de prestar homenagem a todas as mulheres que dormiram, sofreram e amaram naquele quarto, muito simbólico da presença feminina em versalhes.
qual o impacto que imagina que estas peças vão ter?
versalhes vai servir para mostrar a outro tipo de público que se pode fazer criação contemporânea a partir de técnicas mais antigas, mais clássicas. a minha exposição também é isso, é essa junção entre o presente e o passado. pegar em objectos de produção contemporânea e colocá-los num ambiente mais clássico, ou barroco, como versalhes.
é esse diálogo que a sua obra vai ter com o palácio?
sim, até porque já integro na minha obra esse diálogo. agora vai ser a obra a fazer isso com o próprio espaço.
quando visitou versalhes para pensar a exposição percebeu imediatamente que peças ia levar?
havia algumas coisas que se sentiam logo, como por exemplo os sapatos na galeria dos espelhos. mas depois houve muitas outras coisas que foram feitas de propósito, como as valquírias para a sala das grandes batalhas.
que outras criações vão nascer especificamente para esta exposição?
a golden valquíria vai ficar numa cúpula dourada e faz a ligação entre a história e a arte contemporânea. outra que estamos a fazer é a royal valquíria, com os tecidos de versalhes, que fui pedir directamente à manufactura de versalhes. e ainda vai haver a silk valquíria. há uma série de coisas inspiradas no local e que serão executadas com o material e as técnicas locais.
também há uma peça em que usa a técnica da tapeçaria.
é uma tapeçaria de 13 metros quadrados e chama-se vitral. vai ser colocada num arco e é muito engraçado porque como a minha tapeçaria está cheia de rosetas, sempre que olho para ela penso: ‘isto é um vitral, mas de tapeçaria’.
como começou a relação entre a joana e a manufactura de tapeçarias de portalegre?
começou por um convite feito pela vera fino [directora], para eu fazer um desenho para uma tapeçaria de portalegre. na mesma altura, por coincidência, tinha acabado de ser convidada para fazer o projecto versalhes e pensei logo que era o cenário ideal para este tipo de trabalho. até porque versalhes tem uma série de tapeçarias. então pensei logo em juntar as duas coisas e fazer uma tapeçaria inspirada em versalhes, com referências ao próprio palácio, aos materiais e às texturas. no fundo à identidade do local.
foi uma ideia difícil de concretizar?
não sou uma artista típica das tapeçarias. normalmente os artistas que trabalham as tapeçarias são os artistas mais ligados à pintura, uma área bidimensional. a minha obra não tem relevância nessa área, por isso quando me convidaram estranhei. mas a tapeçaria é um material que me interessa e o meu trabalho tem, inclusive, muitas referências aos têxteis. por isso, escolhi com a vera [fino] os desenhos que se aplicavam melhor à tapeçaria, para não ficar uma obra sem textura. faço os meus desenhos muito à base de lápis, canetas bic e canetas de feltro. olhando para a tapeçaria, sente-se isso tudo. elas tiveram a preocupação de misturar matizes de cores para dar a ideia do lápis, para se continuar a sentir o passar das canetas. estou muito satisfeita com o resultado.
além da de versalhes, fez outras quatro tapeçarias. custam 41 mil euros cada e já tem encomendas…
sim, temos três: uma para inglaterra e duas para frança. as pessoas estão muito curiosas com este trabalho. a tapeçaria tem um reconhecimento muito grande em portugal, mas lá fora também. há um gosto muito desenvolvido por materiais que são tidos como nobres e, tal como as cerâmicas, a tapeçaria faz parte dessa lista. com o efeito versalhes, acho que as encomendas vão aumentar.
além da tapeçaria vitral, há outra peça que promete dar muito que falar que é o helicóptero…
é o lilicóptero. é mais uma peça feita exclusivamente para o local e relaciona a ideia do isomorfismo entre passado e presente. é como se a máquina, no fundo, voltasse a ser um animal. por outro lado, é uma máquina do tempo, como se fosse uma carruagem do futuro inspirada nas carruagens antigas. um coche moderno, com referências do passado. nesta peça voltei a trabalhar com a fress, que vai fazer todo o interior como se fosse o interior de um coche, com os punhos, os tapetes, os veludos… é, no fundo, a peça que resume melhor este jogo entre passado e presente, entre contemporaneidade e classicismo, entre máquinas puxadas por animais e máquinas mecânicas.
por estar forrado a penas de avestruz, entretanto pintadas de cor-de-rosa, e ainda ir aplicar pedras swarovski, também transmite a exuberância de uma época. era o que pretendia?
sim, tem esse lado no gosto, nas cores, nas particularidades da maria antonieta. o interior de versalhes é muito feminino e, por isso, é fácil imaginar os vestidos, os bailes, a estética toda que aquele espaço testemunhou.
baseou-se no mote feminino, mas peças como o lilicóptero são muito arrojadas. esse é o maior fascínio da arte contemporânea, poder fazer o que lhe dá na gana?
é, a liberdade da criação. independentemente do que me pedem, dou sempre a minha perspectiva pessoal. às vezes também me sinto extremamente incompetente porque pedem-me uma coisa e faço exactamente a outra. agora aconteceu-me uma dessas com a dior. propuseram-me fazer uma peça baseada num frasco de perfume, eu fiz, mas depois quando entreguei soube que havia duas exposições, sobre dois frascos diferentes, e a minha peça juntava os dois. às tantas, eles já não sabiam muito bem se me punham na exposição para a qual fizeram a encomenda ou na outra, onde se adequava mais. uma confusão. acabou por ir para a outra.
esta ‘incompetência’ acontece muitas vezes?
é normal, porque a maior parte do trabalho artístico é uma encomenda. as pessoas geralmente é que encaram a encomenda como uma coisa negativa, mas não é. quando uma galeria nos pede uma exposição está a fazer uma encomenda. quando nos pedem para participar numa exposição sobre um tema – por exemplo, o feminino –, também nos estão a fazer uma encomenda. de todas essas vezes, o artista faz aquilo que bem lhe apetece. já me aconteceu, tanto com exposições como com clientes e coleccionadores, produzir uma peça que, depois, as pessoas acham que não tem nada a ver com a dita encomenda e o negócio não se efectivar.
não tem então problemas em admitir que já viu peças recusadas?
já aconteceu e é normal. faz parte. é assim que este meio funciona. os artistas plásticos não são o tipo de criativos que trabalham com um programa, como os arquitectos ou os designers. tudo é original e tudo é feito com o conhecimento anterior, mas perspectivando sempre o futuro, a próxima peça.
que peças voltaram para trás?
não vale a pena estar aqui a enumerar nomes, mas, por exemplo, o sofá aspirina [de 1997] foi encomendado para uma exposição sobre papel de parede. fiz o sofá, que à partida não tinha nada a ver com o tema. mas depois, num segundo sentido, até tinha por causa do sentido de repetição nos padrões usados para decorar móveis… como era uma peça óptima e o comissário era uma pessoa com a ‘cabeça aberta’ foi na mesma, mas sabendo que não cumpri o programa.