conheci-o através da leitura de um argumento que me surpreendeu, monsanto, mais tarde transformado num telefilme, e depois disso, desdobrou-se a escrever scripts, onde abundavam sempre ideias fortes e originais. cinco pontos na alma, o seu filme de estreia, já revelava essa ‘vontade de cinema’, que ele bebeu nos mestres que foi vendo, fechado na sala escura, entregue ao encantamento do que, em tempos, foi a 7ª arte.
florbela é um filme mais maduro, em que ele prova que domina a utilização dos meios, coisa rara entre nós, e sabe o que é preciso para produzir a emoção que quer suscitar no espectador, o que é a marca de um cineasta: a justeza do découpage, o uso correcto das objectivas, a banda sonora e a direcção de arte, a gestão do tempo dramático, o encadeamento das peripécias. além disso, com o apoio do produtor, soube tornear as dificuldades financeiras ligadas com a reconstituição da época (os últimos anos da i república), filmando as sequências que exigiam mais meios (vila viçosa, os exteriores em lisboa), comprimindo o espaço com longas focais.
mas o mais importante é que vicente alves do ó gosta de actores, porque gosta de criar personagens e de filmar paixões, conflitos, emoções, outra coisa pouco habitual no cinema que se faz por cá. mesmo se, aqui e ali, cede à tentação do efeito poético, resiste à solução fácil de filmar a poetisa alentejana em pleno acto de criação, compondo alguns dos seus mais arrebatados sonetos. já sabíamos que dalila do carmo, albano jerónimo e ivo canelas eram grandes actores, mas vicente alves do ó dá-lhes aqui mais uma oportunidade de o provar. filme tchekoviano, florbela é o retrato de uma mulher romântica e emancipada, em confronto com os preconceitos da época e com o mistério da sua sexualidade. tratado com uma certa distância pela crítica, que o remeteu para o limbo (entre uma e três estrelas), vicente alves do ó tem tudo para nos surpreender um dia com um filme que tenha direito a uma promissora bola preta.
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