‘Risco de Portugal afastou investidores da privatização’

Presidente da REN revela ao SOL a nova estratégia de internacionalização da empresa, impulsionada pela State Grid e Oman Oil. Rui Cartaxo rejeita qualquer problema no facto de os maiores accionistas da REN e EDP serem detidos pelo Estado chinês.

o secretário-geral do ps disse, esta semana, que vai pedir a apreciação do processo do governo referente à privatização da ren, acusando o executivo de ter feito alterações legislativas para que a venda pudesse ser feita a um comprador. em causa está o decreto aprovado há uma semana, em conselho de ministros, que permite aumentar de 10% para 25% a participação máxima de um accionista da ren. as críticas de josé antónio seguro fazem algum sentido?
não. o processo foi muito transparente e não me parece que haja qualquer questão que possa ser levantada por causa da alteração dos limites, que aliás já tinha sido anunciada pelo governo, e agora foi apenas formalizada.

a comissão europeia já disse que vai «averiguar em pormenor» o facto de a state grid (maior accionista da ren) e a china three gorges (maior accionista da edp) serem ambas detidas pelo estado chinês, sendo que as regras comunitárias impedem que um mesmo accionista tenha participações em empresas de produção e transporte de energia. já foram contactados por bruxelas?
a empresa, não.

e acha que a questão levantada pela ce relativa à dissociação da propriedade aplica-se neste caso?
a state grid e a china three gorges são duas empresas totalmente independentes, não têm nada uma a ver com a outra. operam em regiões diferentes, em áreas diferentes do mundo da energia. diria até que é difícil encontrar duas empresas mais diferentes e afastadas uma da outra neste sector, como estas duas. estou confiante que o princípio comunitário não é, minimamente, posto em causa com estas duas privatizações.

no âmbito da privatização ficou determinada a criação de uma joint-venture da ren com a state grid para moçambique. em que termos?
será constituída, este ano, com participações iguais de 50%-50% e vai funcionar como um chapéu para analisar as várias oportunidades de investimento em moçambique e a partir daí serão constituídas sociedades-veículo projecto a projecto.

mas a parceria com a state grid não se esgota em moçambique, certo?
exactamente. apesar de a state grid não estar ainda formalmente no capital da ren, já começámos a trabalhar juntos a nível internacional. no dia da assembleia geral da ren, a 27 de março, assinámos, em lisboa, um contrato com eles de prestação de serviços e assessoria técnica da ren à state grid para o brasil. nesse âmbito, despachámos de imediato uma equipa técnica que esteve lá durante quatro semanas para lhes dar assessoria técnica na compra de um lote de activos de transporte de energia no brasil.

e há outra joint-venture acordada para angola…
sim, também 50%-50% e a sociedade vai ser constituída ainda este ano. em angola temos interesse no planeamento, construção e exploração de infra-estruturas, não só de electricidade, mas também de gás natural. e sabemos que há projectos importantes no horizonte de angola e a ren vai estar associada à state grid no sentido de se posicionar para apresentar propostas para serem escolhidas pelas autoridades angolanas, para ser também ali um parceiro de referência como conseguiu ser em moçambique.

e a china faz parte dos horizontes?
sim, vamos analisar já este ano, com a state grid, projectos de consultoria na área da integração de renováveis em redes eléctricas.

com a oman oil também há parcerias acordadas?
está prevista a constituição de uma joint-venture para explorar projectos de energia em omã, mas também noutros países do golfo pérsico. e a primeira visita da ren a omã deverá ser ainda antes do verão.

há outras geografias na mira?
as áreas estratégicas para a internacionalização da ren são o mundo lusófono, angola, moçambique e brasil, china e omã. mas a base da operação da ren continuam a ser as concessões em portugal.

quanto é que o negócio internacional deverá pesar nas contas da ren dentro de três anos?
estamos a partir quase do zero e a nossa ambição é ter, no final deste mandato, uma parte relevante do nosso negócio fora de portugal. queremos diversificar o risco, o que é muito importante para os nossos accionistas e credores. neste momento, temos um risco país que pesa muito negativamente na acção e na dívida da ren.

sentiu essa dificuldade de má imagem do país no processo de privatização ao tentar angariar potenciais investidores?
claro que sim. por exemplo, os colombianos, que estavam muito interessados na ren, desistiram de apresentar uma proposta para a privatização por causa dessa percepção do risco país. valeram-nos estes accionistas, porque tinham razões muito específicas para se interessarem pela empresa. e nos road shows para aferirmos a vontade dos investidores virem a comprar acções numa futura operação de dispersão dos 11% que ainda estão nas mãos do estado, sentimos fortemente o ónus de sermos uma empresa portuguesa, sobretudo, por estarmos muito concentrados em portugal. desconfiam da permanência de portugal no euro e este risco é, sobretudo, muito percepcio_nado nos eua e canadá.

imagino que, por isso, não haja para já uma data para a nova fase de privatização…
é uma decisão do governo, mas que eu saiba não há.

mas o diploma não determina que a venda seja feita apenas por essa via. dada a má situação dos mercados, podem antecipar-se novas vendas directas?
eu gostava que houvesse uma dispersão, para aumentar o free float da empresa, que nem chega a 20% do capital. isso seria favorável para os pequenos accionistas.

as instalações da administração da ren foram alvo de buscas recentes da polícia judiciária. o que é que está em causa?
esteve cá uma equipa da pj a averiguar facturas de contratos de compra e venda de licenças de co2 e tanto quanto as pessoas da ren puderam apurar dessa busca, o que está em causa é uma investigação não sobre a ren, mas sobre empresas que compraram ou venderam direitos de emissão de co2 à ren. e o que está a ser averiguado é o cumprimento das obrigações fiscais por parte dessas empresas e não da ren. a ren cumpriu sempre a 100 % as suas obrigações fiscais.

tania.ferreira@sol.pt