Entrevista: ‘Nesta fase, não devemos fazer promessas’

Nuno Magalhães aconselha prudência ao Governo para não entrar em contradições. E reconhece que lei dos mandatos autárquicos é ‘matéria sensível’ entre PSD e CDS. [com vídeo]

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apesar de as avaliações da troika dizerem que portugal está a cumprir o acordo, todas as semanas o país assiste a mais medidas de contenção. como se compreende isso? não há uma luz no fundo do túnel?

tem razão, é preciso uma luz ao fundo do túnel. a tarefa deste governo é também poder dizer aos portugueses que este esforço todo não pode ser em vão. espero que consigamos alterar o modelo económico português e apostar nos sectores produtivos e nas exportações. poderemos ser assim mais competitivos e criar mais empregos. o caminho é árduo, longo e difícil, mas é preciso dar uma esperança ou uma luz aos portugueses.

isso tem faltado?

não tem sido tão valorizado no discurso. depois de um período de alguma ilusão do governo ps era necessário um período de realismo. mas, mantendo o discurso de realismo e franqueza, é uma questão de proporção: devemos deixar uns 20% do nosso discurso para a esperança.

ocds foi responsável pelo congelamento súbito das reformas antecipadas. sente-se confortável com esta medida?

este governo é verdadeiramente um governo de salvação nacional. o seu trabalho não é fácil. ninguém gosta de anunciar medidas muito difíceis com impacto concreto na vida das pessoas como esta. é uma medida naturalmente impopular e desagradável. não vejo que pudesse ter sido feito de outra forma. mas foi tomada em nome daquilo que é o interesse nacional e a independência financeira e política de portugal.

parece-lhe uma medida desesperada? uma correcção das contas?

não, de todo. nesta fase não devemos, em nome da boa-fé e honestidade, ser excessivamente peremptórios relativamente ao que quer que seja. mas, de facto, de acordo com todos os indicadores e com os responsáveis internacionais, estou tranquilo: a execução orçamental será bem sucedida e não serão precisas novas medidas de austeridade.

isso quer dizer que também acha que o governo não pode ser peremptório na promessa de reposição dos subsídios de natal e férias?

devemos ser peremptórios em não fazer promessas. devemos trabalhar para o cenário previsto, que é o fim do programa de assistência. se não é prudente estar a fazer previsões para o final deste ano, acho no mínimo um pouco precipitado e imprudente fazer promessas para uma previsão orçamental a dois anos e meio. o pm foi extraordinariamente honesto ao dizer que mandava a prudência não fazer declarações peremptórias.

mas isso foi na terceira ou quarta vez que falou.

sim, mas prefiro um pm que possa eventualmente ter uma comunicação não tão conseguida mas que fale verdade do que um pm que comunique muito bem mas que nem sempre aquilo que diz corresponde à realidade.

nas últimas semanas, houve muita desorientação do governo nesta matéria.

não lhe chamaria desorientação. nos subsídios poderá ter havido sem dúvida uma menor facilidade de comunicação. mas julgo que, no essencial, as pessoas têm confiança no governo e no seu ministro das finanças.

o pm não tem estado demasiado exposto? deu 22 entrevistas em nove meses.

acho que é corajoso. em momentos difíceis, é uma virtude dar a cara.

enquanto isso, os ministros do cds têm sido acusados de não terem a mesma atitude, de se resguardarem.

é uma crítica injusta e quem a faz é porque não terá apreço pelo facto de a coligação estar a correr tão bem.

as últimas sondagens dizem que os três ministros do cds são os mais populares.

se calhar tem a ver com as suas personalidades. mas a popularidade é um valor efémero em política.

o que achou do aviso da troika de que mais austeridade poderá abalar a coesão da coligação de governo? isso quer dizer que o cds não apoiaria mais medidas duras?

dou mais atenção às avaliações económicas e financeiras da troika do que aos seus comentários políticos. surpreendeu-me – e talvez tivesse preferido – que a troika não tivesse feito esse comentário. mas não podemos ser hiper-sensíveis e pensar que tudo é dirigido ao cds.

concorda com a elevação da idade de reforma para os 67 anos?

há, de facto, um aumento da esperança média de vida, é importante aproveitar o contributo das pessoas mais experientes, é um desperdício não aproveitar a experiência e o conhecimento de pessoas de 65 anos. mas, se formos excessivos nesta visão, poderemos estar a ter um efeito colateral de barrar o acesso ao mercado trabalho dos mais jovens. isto não é a preto e branco.

o que tem corrido mal nas negociações com o ps? como classifica as relações? tensas?

não tem corrido assim tão mal. podia ter corrido melhor, sim. é sempre normal haver picos de tensões, muito mais em situação de assistência financeira. mas o ps tem demonstrado sentido de estado nos momentos essenciais: orçamento do estado e política externa.

o cds vai juntar-se ou não ao psd para clarificar a lei de limitação de mandatos autárquicos e permitir candidaturas a concelhos vizinhos?

é uma questão sensível, que aparentemente divide psd e cds. não podemos desconhecer, na ponderação em conjunto que iremos fazer, o facto de a maioria das pessoas achar que essa limitação abrange todo o território nacional. as pessoas ficaram convencidas que, se não fosse assim, poderia haver uma tentativa de fraude à lei. essa é a percepção das pessoas e não podemos esquecer isso. vários dirigentes do cds deram essa opinião, que não merece discordância da minha parte. é também uma questão política, de prestígio das instituições democráticas.

o que tem sido mais difícil na negociação parlamentar com o psd? o enriquecimento ilícito? o psd promete voltar a isso na próxima sessão legislativa.

o cds sempre disse que tinha dúvidas de constitucionalidade. mas fez um esforço de aproximação de posições. agora há esta decisão [do ‘chumbo’] do tc, que respeitamos, e que torna mais difícil este processo. não podemos esquecer uma decisão do tc.

como vê a indicação de conde rodrigues para juiz do tc, numa lista que o próprio cds também subscreve?

da mesma forma que o ps respeitou o nome indicado pelo cds, o cds respeitou o nome do ps.

mas os partidos não discutem os nomes em concreto apresentados por cada um?

tivemos essa informação e decidimos respeitar as decisões de cada um, sendo certo que é preciso um consenso. nós apresentámos um grande nome, fátima mata-mouros, que é uma extraordinária jurista. não vemos o tc como um órgão político. segundo julgo saber, não foi escolhida por afinidades políticas. fátima mata-mouros tem um currículo que fala por si e é consensual.

já falou com ribeiro e castro? o que acha do facto de ele apresentar um projecto para repor o feriado do 1.º de dezembro?

todos os deputados são iguais mas há uns mais iguais do que os outros. o dr. ribeiro e castro foi presidente do cds. quanto a isso, terei oportunidade para falar com ele. o meu esforço é pugnar para que haja a maior harmonia possível.

vai tentar dissuadi-lo?

vamos ver. não posso falar de uma hipótese. irei ter uma conversa no momento próprio, que é a discussão do código do trabalho na especialidade.

helena.pereira@sol.pt