unir os franceses. conciliatório, este foi o mote inicial procurado pelos candidatos presidenciais nicolas sarkozy (conservador) e françois hollande (socialista) no princípio do debate televisivo desta noite. mas rapidamente a troca de argumentos tornou-se hostil e acabou por traduzir o estado de alma dos dois campos em confronto a quatro dias de uma eleição decisiva não só para frança, mas também para a europa.
sarkozy começou por acusar hollande de não traduzir o seu discurso de unidade em acções, condenando ataques de dirigentes socialistas contra a campanha conservadora e referido a recente comparação do comício do ainda presidente no trocadero a uma manifestação nazi em nuremberga. hollande também citou a torrente de insultos proferidos pelo campo conservador e acusou sarkozy de colocar ricos contra pobres, «trabalhadores do sector privado contra trabalhadores do sector público», comunidades estrangeiras estabelecidas contra imigrantes recém-chegados.
«senhor sarkozy, vai ter dificuldade em fazer-se passar por vítima», declarou o socialista. sobre unidade, o chefe de estado chegou a vangloriar-se de forma inusitada de que «nunca houve violência» ou «guerra civil» em frança durante os seus cinco anos no eliseu.
criar emprego
o desemprego – perto dos 10%, nível mais elevado em 12 anos – acabou por ser o primeiro verdadeiro tema de debate, com hollande a citar os bons números do emprego na alemanha e a acusar sarkozy de «fracasso» em frança, recorrendo às promessas do conservador sobre a criação de emprego em 2007. «a solução passa pelo crescimento, na europa e em frança», afirmou. e incentivos financeiros ao emprego jovem.
do outro lado da mesa, sarkozy respondeu com o mesmo exemplo alemão, apontando para os esforços germânicos para o firmamento de pactos de estabilidade entre trabalhadores e patronato e a redução do custo do trabalho. a alemanha, portanto, é um exemplo a seguir para o líder conservador, que criticou hollande por «votar sempre contra» as medidas de promoção de competitividade ‘germânicas’ e por apresentar propostas seguidas por líderes socialistas espanhóis e gregos – aliás, espanha, grécia e portugal foram uma e outra vez apontados no debate como casos de fracasso político e económico.
sobre os números do desemprego e da performance económica francesa, sarkozy e hollande divergiram até ao limiar do insulto. «você está sempre tão satisfeito consigo próprio! é incapaz de se olhar ao espelho e admitir que errou! (…) é tudo tão fácil, a culpa é sempre da crise!», atirou o socialista, uma e outra vez acusado pelo conservador de proferir «mentiras».
amizades milionárias
«está a mentir!», exclamaria novamente sarkozy quando atacado por hollande sobre o favorecimento fiscal dos franceses mais ricos. o debate voltava a entrar em terreno minado com o socialista a recordar a polémica – ou mesmo escândalo – do perdão fiscal beneficiado pela herdeira do império cosmético l’oreal liliane bettencourt, protagonista de um caso de possível financiamento ilegal do partido de sarkozy.
«eu protegerei as crianças da república, vocês protege os riscos», declarou o socialista. «você quer menos ricos, eu quero menos pobres», respondeu o conservador, que acusou o rival de querer afugentar as grandes fortunas francesas com um proposto imposto de 75%.
o futuro da europa
«é uma eleição histórica e a frança não pode errar», declarara sarkozy no início do debate. o tom grave, tanto para consumo interno como para o público europeu, foi assumido pelos dois políticos franceses. hollande reiterou a intenção de renegociar o pacto fiscal europeu e promover o crescimento. «não se pode impor a austeridade generalizada», afirmou, apontando para grécia e portugal. antes, defendeu as eurobonds, um banco de investimento europeu, desenvolvimento de novas infra-estruturas e a taxação das transacções financeiras. o papel do bce terá de ser revisto.
sarkozy agitou o fantasma da escalada dos juros da dívida soberana francesa em caso de vitória do rival, que colou aos malogrados líderes de governo socialistas do sul da europa. «zapatero foi o único chefe de governo que o recebeu. quer seguir o seu exemplo?», questionou. a falta de estatura internacional de hollande é um dos principais pontos de ataque dos conservadores.
no entanto, sarkozy não só acolhe a proposta de taxação das transacções financeiras como reclama a sua paternidade. sobre as eurobonds, não há cedência: «quer pôr os franceses e os alemães a pagar as dívidas dos outros? eu não!».
imigrantes a mais
a imigração, um dos temas maiores de campanha, também entraria no debate. até porque foi essa a base estrutural da campanha da frente nacional de marine le pen, que alcançou cerca de 20% dos escrutínios na primeira volta, apelou à abstenção na segunda e, indicam as sondagens, o seu eleitorado não garante uma transferência automática de voto para o campo conservador – um terço dos apoiantes da fn admite votar hollande. são mais de 6 milhões de votos em jogo.
sarkozy defendeu a revisão do tratado de schengen, do princípio de livre circulação de pessoas no espaço europeu e o restabelecimento de controlos fronteiriços. mas sobre as repetidas referências do presidente conservador ao facto de frança ter «imigrantes a mais», hollande fez questão de referir que foi sarkozy, enquanto chefe de estado e ex-ministro do interior, a permitir a entrada de centenas de milhares de cidadãos estrangeiros.
de todo o modo, ambos os candidatos mostram-se favoráveis à limitação da imigração legal – o conservador admitindo quotas anuais, o socialista não se comprometendo com números. mas hollande é também claro: «durante as crises económicas, é necessário limitar a imigração económica».
voto para os imigrantes extracomunitários nas eleições autárquicas? hollande reitera que o defende. ementa islâmica e véus na escola pública? o socialista disse que não, e que a proibição do véu integral é para manter, mas atacou sarkozy por puxar o tema: «porque é que acha que todos os não-europeus são muçulmanos?».
por fim, a energia atómica. o país mais dependente do nuclear no mundo assim continuará sob sarkozy, que o defende como «um activo francês» perante a inexistência de petróleo ou gás no território. «o problema de fukushima foi um tsunami», afirmou o conservador, que acusa hollande de estar preso a um acordo de princípio com os verdes. se eleito, o socialista apostará nas renováveis.
para terminar, e instados a descrever as suas futuras presidências, hollande disse não querer ser «chefe de tudo, presidente de tudo, e ao final de contas de nada», prometeu um governo paritário e o fim da interferência do eliseu na comunicação social e no poder judicial.
«durante as primárias socialistas, o senhor declarou querer ser um presidente normal. mas ser presidente da república não é uma função normal. e a situação que hoje vivemos não é uma situação normal», respondeu sarkozy.
hollande lidera todas as sondagens com cerca de sete pontos de vantagem sobre sarkozy. o impacto do embate escaldante desta noite será conhecido nos próximos dias, mas os analistas convergem ao declarar altamente improvável uma reviravolta nas intenções de voto.
pedro.guerreiro@sol.pt