A Comissão e o cinema

Quando em 1994 se assinaram os Acordos do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), nos corredores da Comissão Europeia (CE) viam-se mais lobistas americanos do que representantes dos governos europeus nas direcções-gerais.

para os americanos, que haviam ganho a guerra fria, a conquista de novos mercados era vital e urgente. um ano antes, eu tinha sido encarregado pelo comissário joão de deus pinheiro de presidir a um grupo de trabalho que iria propor à comissão uma nova política para o apoio ao audiovisual europeu, onde se incluía o cinema.

nessa altura já o cinema europeu tinha perdido 2/3 da sua quota de mercado (por razões que seria longo de explicar aqui), o que contribuiu para a criação, em 1991, do programa media (programa de apoio ao audiovisual europeu). por outro lado, a directiva tvsf, criada dois anos antes, estabelecera a obrigação de uma percentagem superior a 50% para a difusão de programas de stock europeus (ficção e documentários de criação). ora, aproveitando os acordos do gatt, os americanos pretenderam impor o fim de quaisquer apoios financeiros ou de quotas ao cinema e ao audiovisual europeus, em nome da liberdade da concorrência. o cinema americano tinha passado, em dez anos, de 35% do mercado europeu para 80% e as tvs privadas, que tinham começado a proliferar, não queriam restrições à difusão de filmes e séries americanas, mais populares, e que as aliviavam de investir em produções originais. um dia contarei o que foi a guerra dos cineastas para defender a exclusão do apoios ao cinema e ao audiovisual dos acordos do gatt, e sobretudo a visita que joão de deus pinheiro e eu fizemos a los angeles, onde os presidentes da mpaa (motion pictures association of america), jack valenti, e das majors nos tentaram demover dos nossos propósitos, durante um jantar num restaurante italiano, digno de um filme de gangsters dos anos 30.

ora, neste momento, está novamente em discussão na ce a revisão desses apoios (cinema comunication), que deverá ser aprovada no final deste ano, e que esteve em consulta pública entre 20 de junho e 30 de setembro. o que é supreendente é que, numa altura em que o governo propõe uma nova lei para o sector, nenhum representante português se tivesse pronunciado sobre esta proposta, cujo impacto nas ajudas públicas ao cinema e ao audiovisual vai ser determinante.

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