resposta clássica: claro, qualquer um prefere ganhar um euro em vez de ficar a zeros. argumentação prática: nem pensar, é injusto e humilhante ficar apenas com um euro quando estão em jogo 100.
mais do que um exercício abstracto, o portuense gabriel leite mota apresenta as duas perspectivas como quem traça a fronteira entre o passado e o futuro da economia.
«os resultados do chamado jogo do ultimato contradizem as previsões teóricas dos que durante 50 anos andaram a dizer que o homem basicamente se move por incentivos financeiros. agora percebe-se que o comportamento humano tem um conjunto de dimensões que estavam a ser ignoradas».
a conclusão de que «o crescimento económico não é sinónimo de bem-estar» ganha sustentação científica internacional há duas décadas, mas só agora começa a posicionar-se em portugal, sob impulso deste portuense.
licenciado em economia pela universidade do porto, o investigador assume a responsabilidade de dar voz a uma corrente pioneira no país: é, aos 32 anos, o único português doutorado em economia da felicidade.
vencer resistências no meio académico
«como fui o primeiro a tratar o assunto, fiz tudo à custa da minha iniciativa».
primeiro através de pesquisas científicas online e depois na construção da tese de doutoramento, o economista nunca cedeu às resistências académicas.
«tive a oportunidade de convencer o professor paulo trigo pereira, do instituto superior de economia e gestão, de que o tema era válido e interessante», recorda leite mota, incansável nas demonstrações de «consistência científica» desta matéria.
«muitos ainda vêem este estudo como um disparate, e até consigo perceber de onde vem o preconceito porque o tema sempre foi tratado por ‘n’ pessoas, sobretudo autores de auto-ajuda. mas é preciso perceber que nos últimos 20 anos existe um movimento científico internacional e interdisciplinar apostado em investigar a felicidade».
o batalhão de pesquisa, artilhado de neurologistas, psiquiatras, filósofos, antropólogos e economistas, revelou-se uma poderosa arma ao serviço da primeira batalha pré-doutoral do economista.
«há estudos que mostram como a felicidade pressentida – e quantificada numa escala hipotética – se correlaciona com níveis de stresse e de tensão arterial medidos objectivamente», explica o especialista, desfiando outros exemplos sobre a fiabilidade dos dados recolhidos.
«também existem estudos longitudinais que demonstram que as pessoas que se afirmavam mais felizes aos 20 anos viveram mais».
de análise em análise, «com artigos publicados nas melhores revistas científicas do mundo», o economista não só mostrou a trigo pereira os fundamentos para orientar uma tese sobre a economia da felicidade como abriu caminho a três novos entusiastas. «dois estudantes de economia e um de gestão estão a tentar fazer dissertações nesta matéria», conta o especialista, desde o doutoramento habituado a um corre-corre de solicitações.
«como sou o único em portugal, as pessoas procuram-me para perceber quais as conclusões principais que se têm produzido na área e acabo por ser um bocadinho o porta-voz desta corrente».
mas, com tantas demonstrações de renovação económica, não será mais correcto falar-se numa contracorrente?
economia em maré de mudança
apesar de se demarcar do pensamento tradicionalmente dominante – «apontar o produto interno bruto como indicador único de desenvolvimento é uma estupidez» – leite mota rejeita leituras maniqueístas.
«não sinto que estou a remar contra a corrente. pelo contrário, considero-me no início de uma nova maré, na medida em que a economia enquanto ciência está a sofrer transformações profundas».
a mudança, que na holanda já assume a forma de um instituto – para os estudos da felicidade, economia e sociedade –, mobiliza os interesses do portuense desde a leitura de um texto do britânico andrew oswald, investigador de reconhecidos méritos nestas matérias.
«li um artigo que me foi reencaminhado por email por um amigo, e achei fantástico como o tipo de abordagem do autor conseguia responder a algumas das minhas inquietações. isso fez-me procurar mais e mais respostas».
o resto da história conta-se por um manancial de leituras e participações em conferências internacionais, sobretudo nos eua, holanda, itália e reino unido, destino de aproximação ao trabalho do professor britânico.
«estive dois ou três meses na universidade de warwick, onde andrew oswald dá aulas e, durante esse período, tive a oportunidade de receber o seu acompanhamento».
o resultado das peregrinações académicas do portuense acabou por se traduzir no reconhecimento da tese, mas nem por isso afastou as reticências dos pares portugueses.
«costumo dizer que as resistências advêm mais do desconhecimento do que de outra coisa», nota gabriel, peremptório em apontar baterias para uma viragem nacional.
«enquanto no mundo vemos novas correntes surgirem como ramos cada vez mais fortes e, no futuro, talvez dominantes da economia, em portugal ainda temos um corpo de especialistas muito focado num modelo de pensamento que está a desaparecer».
além da análise do crescimento económico
empenhado na transição para um futuro menos ligado a especulações de modelos matemáticos – e mais sintonizado nas reacções humanas analisadas em situações reais – o doutorado defende que «o grande contributo da economia da felicidade é demonstrar os erros do passado e, com eles, abrir caminho à mudança».
tudo sem perder de vista a relação entre crescimento económico e bem-estar, e a forma como esse bem-estar resulta de múltiplas variáveis, medidas por «novas disciplinas com resultados científicos já expostos e reconhecidos». com destaque para a economia experimental, a neuroeconomia, e a economia comportamental.
por isso, da mesma forma que se aventurou na economia da felicidade, o agora bolseiro de pós-doutoramento aplica-se numa sinergia com uma especialista em economia experimental. desta vez agregado ao núcleo de investigação em microeconomia aplicada da universidade do minho, mas como sempre disposto a cumprir a sua primeira vocação.
«a economia é uma ciência social e como tal tem de se estudar pela vida das pessoas, debruçando-se sobre como nos organizamos nas tarefas de produzir o que precisamos para viver». muito além das análises de crescimento económico.