Celebrar a música Cool [vídeo

No próximo dia 29 de Junho, Karla Campos vai andar numa correria entre Oeiras e a Ericeira. Em quatro anos, desde que organiza dois festivais de música no Verão, é a primeira vez que tem os dois eventos a começar no mesmo dia. O culpado é Sting. O cantor inglês anda em digressão pela Europa…

embora seja uma fã incondicional de sting, karla campos, directora da live experiences – a empresa que organiza o edp cool jazz e o sumol summer fest –, não consegue preferir um ‘filho’ em detrimento do outro. «vou para a ericeira às 16 horas para abrir as portas, regresso a oeiras às 19 horas, vejo o sting e, depois, à meia-noite, volto para a ericeira onde fico até às quatro da manhã», prevê a responsável.

apesar de ter de gerir a sobreposição de concertos pela primeira vez, karla campos já se habituou a toda a agitação que aparece na altura do cool jazz. entre outros imprevistos, teve de lidar, logo no ano inaugural do cool jazz, em 2004, com a ansiedade de buddy guy, «o grande senhor do blues», que na chegada a lisboa, na hora de levantar a bagagem, não viu a sua guitarra chegar. apesar de ser um virtuoso, recorda a responsável, «ele não sobe ao palco se não tiver a guitarra a condizer com a camisa que vai usar nessa noite. depois de algum nervosismo, a guitarra preta, às bolinhas brancas, lá apareceu, duas horas antes do concerto começar».

o percalço maior aconteceu, no entanto, com mayra andrade há quatro anos. apanhada no meio de uma greve num aeroporto de paris, onde vive, a cantora cabo-verdiana teve de mudar não só de aeroporto, mas também de companhia aérea para chegar a lisboa.

o alerta foi dado às 11 horas, mas mayra andrade só chegou ao recinto onde se ia realizar o concerto quase 12 horas depois. para isso acontecer, karla campos passou, literalmente, o dia todo ao telefone. primeiro com o agente da cantora – «que por ele cancelava logo o concerto, mas com tantos bilhetes vendidos não podia ser» –, depois com o produtor, depois com a nova companhia aérea para reservar os lugares, depois com o comandante, para não levantar voo sem a cantora a bordo.

«nesse dia, nem tive tempo para respirar. foi uma ansiedade enorme até o concerto começar», conta a responsável pelo cool jazz. «ela tinha o espectáculo agendado para as 22h e só chegou uma hora e meia depois. houve gente que se foi embora, mas a grande maioria não arredou pé», acrescenta, recordando a lição que tirou desta experiência: «os artistas nunca podem vir no próprio dia. só de véspera – com a excepção, claro, de quem vem de espanha e chega a lisboa de carro sem problemas».

nove anos à espera de al jarreau

embora prefira sempre não ter de lidar com este tipo de imprevistos, karla campos também admite que foi com eles que, ao longo destes nove anos de festival, se melhorou a organização do certame, especialmente um tão específico como o cool jazz.

«apesar de ser um festival para massas, não é o formato a que estamos habituados neste tipo de eventos. o cool jazz está sempre inserido em espaços históricos, ligados à natureza, e os concertos são sempre intimistas, não há outro palco ao lado a interferir com o som do principal. quem vem ao cool jazz tem esta sensação de proximidade com o artista», define a directora do certame, não escondendo semelhanças com outros festivais na europa, como o montreux jazz festival, na suíça, e o jazzaldia, em san sebastian, espanha. «sou uma festivaleira desde que me conheço. e além dos festivais em portugal, vou a imensos festivais lá fora. e foi por isso que percebi que este formato de one-to-one [um-para-um] com o artista fazia todo o sentido cá», diz. e, recorrendo-se do cartaz deste ano, dá o exemplo dos cantores norte-americanos lizz wright e al jarreau.

«ela é muito intimista e canta muito baixo, e ele um músico que traz estilos musicais diferentes: é jazz puro, aliás é das poucas lendas vivas do jazz actual, mas também é soul, funky e disco. a par disso, quando deixa de cantar e começa a fazer sons com a voz, o instrumento passa a ser ele e, aí, já vamos para a música clássica. é uma viagem muito grande», descreve karla, revelando que tentou contratá-lo todos os anos desde 2004.

sobre a edição deste ano, além dos consagrados sting e al jarreau, a responsável pelo edp cool jazz destaca ainda a presença de duas jovens promessas: o espanhol pablo alborán (dupla u platina em portugal) e o inglês com origens africanas michael kiwanuka (vencedor do sound of 2012, o prémio que a rádio britânica bbc atribuiu anualmente à revelação do ano presente).

«além do conceito intimista, em espaços ligados à natureza, outro dos aspectos que privilegiamos são as novas tendências e os artistas que estão a dar que falar. tanto o pablo alborán, como o michael kiwanuka são dois jovens talentos que estão a ser muito aplaudidos. tê-los no nosso cartaz é muito importante, porque as pessoas vão lembrar-se que a primeira vez que os viram em portugal foi no cool jazz. as boas experiências ficam na memória das pessoas e isso dá prestigio ao festival», garante karla, que apesar de ser a responsável máxima pelo certame, também viveu algumas destas ‘boas experiências’ na qualidade de espectadora.

«o artista que mais gostei de conhecer foi caetano veloso. ele mora no meu coração. mas também foi fantástico ver, em 2010, o solomon burke, conhecido por todos como o bispo da soul, com a joss stone. ele, sentado no seu cadeirão, com os seus 250 quilos, ao lado dela, lindíssima, a juntarem o soul antigo de um com o novo do outro, foi maravilhoso. e foi uma das últimas oportunidades de o ver, uma vez que ele morreu um mês depois do concerto no cool jazz», recorda.

em concertos desde os 14 anos

além dos espectáculos que já organizou, a lista de concertos de karla campos como espectadora também é bastante longa. «o primeiro que assisti foi supertramp, no dramático de cascais. tinha 14 anos», conta.

o fascínio pela música começou ainda criança, ao ver, todos os domingos, a mãe a cantar e o pai a tocar piano na igreja. anos mais tarde, quando os pais se separaram e a mãe voltou a casar, era o padrasto que alimentava a paixão. «ele era um melómano e, como viajava muito, trazia muita coisa do estrangeiro. foi ele que me pôs o bichinho da soul, da disco e do funk», revela.

num desafio escolar, chegou a fazer parte de uma banda, como vocalista, até que, com 14 anos, começaram os concertos no dramático. «ia a todos! vi ramones, lene lovich, the clash, police, rod stewart… a minha mãe tinha algumas reservas em deixar-me ir, então ia comigo. ela ficava lá atrás e eu nas primeiras filas», menciona, de sorriso rasgado com estas primeiras recordações ligadas à música. l

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alexandra.ho@sol.pt