acredita que será possível alguma vez os partidos de esquerda se entenderem para uma solução de esquerda?
não só é possível, como é desejável e imperativo. uma crise desta gravidade impõe que haja o máximo entendimento à esquerda.
é fundamental tirar as lições desta crise e verificar que a receita neoliberal que nos está a ser imposta é profundamente errada e só agrava a própria crise com uma espiral recessiva e o flagelo do emprego jovem a crescer exponencialmente. é a esquerda que tem que dar – e está já a dar – a solução, designadamente com a vitória de hollande, ao chamar a atenção para as questões de emprego e crescimento.
não aceito, nunca aceitei, os atavismos daqueles que em portugal se dizem à esquerda e não falam uns com os outros. quero que se debata à esquerda, mas também com toda a gente de bom-senso à direita, para que o nosso país e a europa possam sair da crise. é uma plataforma para encorajar o diálogo.
a história prova que a direita tem mais facilidade em dialogar do que a esquerda.
por razões históricas e por falta de visão política – a mesma que levou muitos à esquerda a se enfileirarem em teses neoliberais de desregulação do capital financeiro e do trabalho, e outra esquerda a se enquistar em estereótipos e em modelos sem qualquer adesão à realidade. isso, aliás, levou alguns partidos à esquerda no nosso país a recusarem, por exemplo, ir falar com a troika, o que eu considerei uma aberração. o nosso dever é ir falar com o diabo se for preciso, para pôr em cima da mesa as soluções da esquerda.
acha que antónio josé seguro e francisco louçã poderão formar governo em portugal?
espero que sim, há muito espaço para convergência. mas isto está muito para além destas pessoas.
como?
o objectivo é que o ps esteja aberto para conversar com todos aqueles que têm sintonia connosco em algumas questões. com esta recusa de se viabilizar o diálogo dentro da esquerda, estamos a dar espaço e a ajudar a direita.
o resultado das eleições gregas mostra que o partido congénere do bloco de esquerda cresceu imenso, ao ponto de se tornar um dos maiores partidos gregos.
a europa não está a funcionar. não está a dar uma luz ao fundo do túnel aos gregos. põe a população indignada com os responsáveis políticos e empurra franjas significativas da população para partidos das extremidades radicais, por muito incoerentes e inconsistentes que sejam as suas propostas. se houvesse eleições em portugal, veríamos se calhar o mesmo tipo de fenómeno.
o bloco podia crescer bastante, nessas circunstâncias?
sim, embora não viabilizasse nenhuma solução de governo para o país, como acontece com o syriza. admito que o be possa reforçar-se e ainda que formações à direita ganhassem peso. a direita neonazi entrou no parlamento grego com 21 deputados.
este manifesto é também uma espécie de prevenção antes que aconteça algum fenómeno semelhante ao que aconteceu na grécia?
exactamente. é esse o objectivo deste movimento que é abrangente, inclusivo, que não quer substituir-se aos partidos. quer fomentar o diálogo entre os partidos e para além dos partidos e da esquerda. como diz o o filósofo alemão jurgen habermas, esta receita que está a ser aplicada pela direita neoliberal está a desmantelar a democracia. é isso que se está a ver na grécia e é isso que poderemos ver em portugal se esta receita continuar a ser aplicada sem correcção.
o ps deve rasgar o acordo com a troika, como já sugeriu o fundador mário soares?
não penso que tenhamos condições para rasgar o acordo. são úteis as vozes como a de mário soares, que defendem isso. estão claramente a mostrar o desajustamento da receita da troika. são úteis para o rumo a seguir, na própria interacção dos governantes portugueses com a troika. retirando partido desse tipo de leituras, temos de nos bater pela revisão das condições de aplicação do memorando, pedir um alargamento do prazo do empréstimo, uma baixa de juros e ‘eurobonds’ [títulos de dívida europeia].
acha que a grécia vai sair do euro?
não. devemos fazer tudo, mas tudo para que não saia. não alinho com aqueles que andam a tentar vender a tese que a sua saída é inexorável. se a grécia sair, ninguém controla os efeitos de contágio para toda a zona euro. os firewalls de que se fala são uma treta. portugal será o primeiro país a ser atacado.