Vaticano: O culpado não foi só o mordomo

Um dos maiores chavões da cultura popular, comparável ao obrigatório final feliz dos filmes de Hollywood, é o de que o mordomo é o culpado do crime. Numa época em que quer esse cliché, quer a própria figura profissional estavam em baixa, eis que do Estado mais pequeno do planeta surge essa suspeita: Paolo Gabriele,…

a detenção do mordomo, a 25 de maio, seguiu-se à publicação do livro sua santità – le carte segrete di benedetto xvi (sua santidade, os documentos secretos de bento xvi), do jornalista gianluigi nuzzi.

o livro publica uma série de documentos da esfera privada de joseph ratzinger, mas como o próprio autor deixa claro, em nada atinge a honorabilidade do sumo pontífice.

mas o vendaval levou também à destituição, horas antes, do presidente do banco do vaticano (instituto para as obras da religião, ior). o banqueiro ettore gotti tedeschi tinha a seu cargo a tarefa de tornar o ior mais transparente, mas o trabalho ficou a meio, quando se sabe que um grupo de peritos do conselho da europa terá de decidir nas próximas semanas se a santa sé tem entidades que pactuam com a lavagem de dinheiro.

denúncias de corrupção

o escândalo, alcunhado de vatileaks, não rebentou agora. desde o início do ano que têm sido revelados documentos. o primeiro deu-se com a revelação, através de um programa de televisão, de uma carta do monsenhor carlo maria viganò. na missiva, viganò expunha ao papa diversos casos de corrupção no vaticano e pediu para não ser removido de seu posto como secretário-geral do governatorato (responsável pela gestão da cidade-estado, o que inclui os concursos públicos). viganò, porém, foi nomeado núncio (embaixador) nos estados unidos, cargo que desempenha actualmente.

plano para matar o papa

a segunda revelação foi mais bombástica: uma alegada conspiração para assassinar o papa. o jornal il fatto quotidiano publicou uma carta enviada ao papa bento xvi pelo cardeal colombiano dario castrillon hoyos. nela, contava o sul-americano, dava-se conta de que o cardeal italiano paolo romeo, arcebispo de palermo, durante uma viagem que realizou à china teria dito que «o papa vai morrer nos próximos 12 meses».

segundo ainda a carta do bispo colombiano, o arcebispo de palermo disse que bento xvi estaria a trabalhar para que o seu sucessor fosse o arcebispo de milão, angelo_scola. e romeo não se coibiu de dizer que o sumo pontífice não pode com o seu número dois, tarcisio bertone.

aliás, o secretário de estado do vaticano é uma peça-chave em todo este jogo de sombras – e terá sido o responsável pela surpreendente demissão do banqueiro tedeschi.

«o principal alvo das revelações dos documentos vazados é o cardeal bertone, mas bertone já brigou com vários sectores da igreja, dos jesuítas aos diplomatas da santa sé, e é impossível saber quem tomou as decisões estratégicas neste caso. o único facto certo é que ninguém ataca o papa», disse o jornalista gianluigi nuzzi a o globo.

mas na quarta-feira, o papa quebrou o silêncio e deu a entender que não haverá para já novidades no que respeita aos responsáveis pelas guerras intestinas do vaticano. «desejo renovar a minha confiança e o meu encorajamento aos meus mais estreitos colaboradores e a todos aqueles que quotidianamente com fidelidade, com espírito de sacrifício e no silêncio, me ajudam na realização do meu ministério».

cesar.avo@sol.pt