Anacom tenta resolver falhas no sinal da TDT

A Anacom (Autoridade Nacional de Comunicações) encontrou uma solução temporária para as falhas de sinal da TDT. Durante 180 dias a PT – responsável pela transmissão do sinal digital de televisão – vai poder utilizar três emissores para cobrir as zonas onde é mais difícil ver TV desde o apagão.

a solução faz parte de uma deliberação emitida pela anacom a 18 de maio, momento em que a entidade reguladora admitiu a existência de problemas técnicos «que impediram a visualização dos quatros canais de acesso gratuito por períodos demasiado prolongados».

a anacom justifica, contudo, o facto de a licença de utilização dos transmissores de monte da virgem, lousã e montejunto ser temporária por ainda se estar «a proceder à optimização da rede». ou seja, o regulador acredita que, no final destes 180 dias, a pt fará «os ajustamentos técnicos» necessários para «ultrapassar com a maior brevidade possível os constrangimentos registados». para a anacom não se trata de reforçar a cobertura de tdt, porque desde o início do processo de transição que aquele organismo tem vindo a afirmar que o sinal chega a 94% da população portuguesa por via terrestre e a 6% por satélite.

no blogue ‘tv digital em portugal’, o engenheiro de telecomunicações eliseu macedo chama, porém, a atenção para a dificuldade em obter sinal em algumas zonas do país, explicando que a situação se poderá agravar no verão: «nas últimas semanas, têm-se verificado muitas falhas de recepção na rede tdt, originando milhares de queixas. estas falhas acontecem sobretudo à noite e são mais frequentes nos dias quentes».

o especialista explica que a natureza por vezes atrapalha a captação do sinal. «estas falhas devem-se a um fenómeno natural muito conhecido na troposfera e ao facto de a rede portuguesa trabalhar em frequência única em todo o território continental», escreve no blogue.

deco diz que pt não está a cumprir contrato

apesar de a anacom continuar a insistir na ideia de que estas falhas afectam apenas «uma parte residual da população» – como se lê na deliberação emitida a 18 de maio –, a verdade é que o número de queixas na deco disparou desde 26 de abril, data do apagão final da televisão analógica.

«entre janeiro e abril de 2012, recebemos 684 reclamações relacionadas com a tdt. só desde o dia 26 de abril foram quase outras tantas. ao todo, são já mais de 1.300 as queixas registadas», afirma ana tapadinhas, jurista da deco.

«os principais motivos das reclamações são as falhas de sinal ou o facto de as pessoas ficarem sem televisão durante partes do dia», explica, lembrando que estas situações são reportadas em zonas que – segundo o site da pt – têm sinal de tdt por via terrestre. «o site tem imprecisões que levaram as pessoas a comprar descodificadores em regiões onde, afinal, são necessários satélites», critica a jurista, explicando que isto tem «consequências económicas».

ana tapadinhas considera que as falhas de sinal podem constituir um «incumprimento do contrato» assinado entre a pt e o estado no âmbito do concurso público que atribuiu àquela operadora a transmissão da tdt. e critica o facto de a anacom não estar a tornar pública a monitorização à cobertura digital. «há muita informação que não é divulgada».

até agora, a deco tem reencaminhado todas as queixas para a anacom, por considerar que é aquela entidade «que deve assegurar os direitos das pessoas afectadas, sobretudo as que são mais idosas ou mais pobres e têm menos capacidade reivindicativa». de resto, muitos dos problemas detectados ocorrem precisamente no interior do país.

televisão é ‘bem essencial’

também a provedoria de justiça está a reencaminhar as queixas que recebe para a anacom. só em maio foram seis – de um total de 23 desde abril de 2011 – as reclamações sobre a qualidade do sinal. sobre os custos elevados dos aparelhos descodificadores foram oito as queixas que chegaram ao provedor.

no entanto, a provedoria não está ainda a analisar as questões jurídicas que podem ser suscitadas por este problema. mas o constitucionalista jorge bacelar gouveia acredita que as falhas de sinal «podem pôr em causa o direito constitucional ao acesso ao serviço público de televisão». o jurista lembra ao sol que, apesar de a constituição se referir apenas aos conteúdos transmitidos pela televisão, a verdade é que «sem sinal não há acesso a conteúdos».

alguns autarcas de zonas do interior sem sinal de tdt têm referido que está posto em causa o direito à informação – também previsto na constituição. o jurista francisco teixeira da mota tem um entendimento diferente. «o estado não pode opor-se ao acesso à informação, mas não tem de a disponibilizar».

apesar disso, recorda que a televisão é tradicionalmente vista pelos tribunais como um bem essencial. «lembro-me de que, quando havia penhoras, se deixava em casa das pessoas sempre alguns bens: a cama, a mesa e a televisão a preto e branco».

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