Pela boca morre o peixe

Miguel Relvas é uma autêntica central de contactos ambulante. Há pessoas assim: que conhecem gente em todas as áreas, que estão sempre ligadas à rede, que não sabem ficar paradas, que querem estar por dentro de tudo, que gostam de fazer um favor a um amigo.

entre o seu vasto universo de conhecimentos contam-se muitos jornalistas – com alguns dos quais miguel relvas tem uma relação de bastante proximidade.

só que este à-vontade é um pau de dois bicos: tanto lhe pode dar vantagem em muitas situações como voltar-se contra ele, tornando-o vítima de situações que criou.

até porque, não sendo muito selectivo, entre os indivíduos com quem se dá há pessoas bem e mal formadas, anjos e demónios.

enquanto esteve apenas nos negócios ou na política partidária, miguel relvas lidou bem com isto.

mas quando teve de fazer a transição da ‘vida civil’ para o plano do governo talvez não tenha avaliado bem a mudança de comportamento que isso implicava.

como ministro, relvas não poderia continuar a falar como falava, não poderia manter relações com todos com quem se relacionava, teria de se rodear de cautelas especiais.

apontado frequentemente como o braço direito do primeiro-ministro, relvas passou a carregar uma grande responsabilidade às costas.

e começou a ter muita gente desejosa de o ver estender-se ao comprido.

pela proximidade a passos coelho, ele podia ser o elo mais forte do governo; mas, pela sua maneira de ser, poderia tornar-se o seu elo mais fraco.

a demissão de um ministro é sempre uma coisa má.

mas a demissão de um ministro que é amigo pessoal de longa data do primeiro-ministro, que funciona como seu braço direito, que é o principal (quase único) coordenador político do governo, que é o elemento de ligação entre o governo e o partido, seria uma coisa trágica.

trágica para ele, trágica para o primeiro-ministro, trágica para o governo e – sobretudo nesta altura – péssima para o país.

veja-se a falta que jorge coelho fez a antónio guterres e ao seu governo.

é neste cenário que a oposição hoje joga – mas, até por isso, pedro passos coelho deve evitá-lo a todo o custo.

a obrigação do primeiro-ministro é manter o executivo coeso: abrir uma brecha seria facilitar a vida aos seus inimigos.

acresce que, por princípio, um chefe de governo não deve deixar cair um ministro quando este está debaixo de fogo (externo e interno).

isso, além de representar um reconhecimento de culpa, fragiliza muito o governo – porque a oposição, vendo que o desgaste resulta, parte para o ataque a outro.

mas, para relvas continuar no governo, tem de mudar de atitude.

tem de perceber que não é a mesma coisa ser secretário-geral de um partido na oposição e ser ministro adjunto do governo, com dossiês de grande responsabilidade.

tem de se resguardar, não falar com os jornalistas com o mesmo à-vontade, não se relacionar com algumas pessoas com a mesma descontracção.

não pode ir a todas, expor-se tanto, aparecer com tanta frequência, dar tantas explicações, sujeitar-se a tantas perguntas.

pela boca morre o peixe, diz o ditado.

é este, muitas vezes, o problema de miguel relvas.

dirão alguns que relvas é irrecuperável – sendo, portanto, indiferente o que venha a fazer.

não penso assim.

nos tempos que correm, com o ritmo estonteante a que as coisas se sucedem, com a excitação frenética dos media, tudo se esquece: as coisas boas e as coisas más.

veja-se o presidente da república, que há três meses era dado como perdido, exigia-se a sua demissão, havia artigos de jornal a considerá-lo acabado – e que hoje está de novo aí, com a autoridade intacta e o prestígio quase intocável.

só que cavaco tem uma grande virtude: sabe gerir o silêncio.

ora, saberá miguel relvas, neste momento crítico, gerir os seus silêncios?

é esta a grande incógnita.

jas@sol.pt