Ligações a sindicatos tramaram diretor

Visto como próximo do PS desde os tempos em que foi comandante da PSP nos Açores, foram as ligações aos sindicatos que ditaram o afastamento do até aqui diretor nacional da PSP, Barros Correia. Mas o seu sucessor, Luís Carrilho, também poderá não ter a vida facilitada

A demissão do diretor-nacional da PSP, superintendente chefe Barros Correia, era a crónica de uma morte anunciada, pois a ministra – e o Governo de Luís Montenegro – nunca lhe perdoou os acontecimentos do Capitólio, a 19 de fevereiro de 2024, quando Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro dirimiram argumentos no frente-a-frente televisivo, com uma manifestação ‘agressiva’ de polícias à entrada do Parque Mayer.Nessa altura, e como o Nascer do SOL noticiou, Pedro Nuno Santos, já no interior do estúdio montado no Capitólio, foi avisado da manifestação, enquanto o líder do PSD desconhecia por completo a concentração dos agentes da PSP, dos guardas da GNR e da Guarda Prisional, algo que jogou a favor do secretário-geral do PS. «Por que razão a PSP não avisou Montenegro foi sempre um mistério», explica ao nosso jornal fonte policial.

Mas esse foi apenas um dos motivos para Barros Correia ter sido demitido do cargo pela ministra da Administração Interna, Margarida Blasco. A antiga diretora-geral do Serviço de Informações e Segurança (SIS) terá usado os seus contactos para se inteirar melhor dos contornos que estão por trás dos protestos policiais, além de ter analisado as últimas nomeações do até há pouco tempo chefe máximo da PSP. Segundo fontes ligadas ao processo, Margarida Blasco terá concluído que Barros Correia, filiado no Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia (SNOP), sempre favoreceu os protestos, deixando, por exemplo, que os vários comandantes distritais não dificultassem a vida a quem queria ir manifestar-se. «Todos sabemos que quando se quer impedir os polícias de irem às manifestações não se permitem folgas ou não se deixa ninguém sair mais cedo do serviço.Repare que nas manifestações, legítimas, diga-se, estavam agentes do país inteiro, chegando a falar-se que metade do efetivo esteve presente numa delas», explica um oficial da PSP.

Barros Correia nunca escondeu a sua ‘simpatia’ pelo Partido Socialista, muito cimentada quando foi comandante da PSP nos Açores e Carlos César era o presidente do Governo regional, embora a sua ‘ligação’ venha de trás, como dizem várias fontes ouvidas pelo nosso jornal – diz-se mesmo que se dá bem com António Costa. Mas qual o problema de alguém ser mais próximo deste ou daquele partido? «Numa altura em que o Governo, supostamente, não tem o dinheiro necessário para satisfazer as reivindicações dos polícias, é natural que escolha alguém que seja mais afastado da ‘classe’ sindical. Além de que se houve alguma nomeação política na PSP foi na anterior direção, que foi toda escolhida pelo ministro José Luís Carneiro», refere outro oficial.

Polícias em choque com demissão

Se, para o Governo, Barros Correia era um dos impulsionadores das manifestações, para a generalidade dos polícias o antigo diretor-nacional era um «aliado de uma luta mais do que justa, independentemente de também poder ganhar com as reivindicações», como explica um sindicalista ao Nascer do SOL. «Como diretor-nacional, ele deixou uma imagem de que estava próximo das reivindicações, ou seja, que sentia os problemas dos polícias e que de alguma forma estava com a luta dos polícias. É esta a mensagem que basicamente deixa. O problema é que neste momento os polícias têm receio que Barros Correia tenha sido afastado injustamente por causa disso. E que Luís Carrilho, o atual diretor-nacional, venha com a faca afiada para não permitir aquilo que permitiu Barros Correia, não ter uma mensagem tão clara de proximidade com a luta», acrescenta.

Sendo a Polícia uma instituição muito hierarquizada, outro problema se levantará a Luís Carrilho, que terá de ser ‘graduado’ em superintendente chefe para assumir hoje, oficialmente, o cargo. Para se ter uma ideia do conservadorismo reinante, diga-se que o Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia (SNOP) não aceita como sócios os oficiais de carreira, que foram progredindo sem terem passado pela antiga Escola Superior de Polícia. Oiçamos o que diz um dos chefes da PSP. «Então o fulano que ainda não tem o posto, que não é superintendente chefe, é promovido a diretor-nacional e os outros superintendentes chefes ficam de fora? Nenhum dos outros servia?». Outro elemento da PSP vai ainda mais longe: «Isto é uma instituição hierarquizada e muito pesada. Enquanto que um agente mais velho, se calhar, não se importa de ser comandado por um mais novo, nos oficiais não é bem assim. Portanto, quando veem o Carrilho, que é mais novo, ser diretor-nacional, é complicado, ou há ali uma compensação para os outros todos ou então é um problema. Carrilho já deve ter falado com os mais velhos no sentido de os acalmar ou então de lhes dizer qual vai ser a futura missão deles, que é para ver se não cria ali um mal-estar. Mas é natural que se crie quando o mais novo passa à frente dos mais velhos, isso é garantido. Alguns vão passar à situação de pré-aposentação quase por imposição, pois não aceitam ser comandados por alguém mais novo». 

Se alguns oficiais mais graduados não gostaram da nomeação de Luís Carrilho, os problemas mais urgentes terão a ver com os prováveis protestos dos chamados movimentos inorgânicos. «Caso o novo diretor-nacional não defenda as reivindicações da Plataforma, a coisa poderá pegar fogo. Disso não tenham as menores dúvidas», acrescenta outro sindicalista.

Curiosamente, na noite de quinta-feira estava prevista uma manifestação de apoio a Barros Correia, em frente à Assembleia da República, mas foram poucos os que se solidarizaram com o diretor demitido. «Devem estar todos à espera de saber o que vai dizer Luís Carrilho, pois a manifestação marcada pelo Movimento zero foi um flop total», comenta um oficial. Mas, como em tudo na vida, há gostos e pensamentos para tudo.Um jovem oficial dá a sua visão: «Barros Correia só foi defendido pelos polícias porque apoiou as reivindicações salariais. Há muitos que não gostam dele desde os tempos da Divisão de Trânsito e dos Açores. Veremos o que terá o Governo para oferecer, se for de encontro às pretensões, Barros Correia será esquecido rapidamente». 

Recorde-se que Bruno Pereira, porta-voz da Plataforma que reúne os sindicatos da PSP e as associações sócio-profissionais da GNR, em entrevista ao Nascer do SOL de 16 de fevereiro era perentório: «Se o próximo Governo não satisfizer as nossas pretensões vai ter um problema sério. Se eles efetivamente não cumprirem com a palavra que já vieram dizer publicamente mais que uma vez, de que é prioridade máxima discutir e resolver logo esta questão, vamos ter um problema sério.E não sei até que ponto os polícias vão admitir isto». O Sindicato dos Oficiais de Polícia não deixou de criticar a primeira proposta salarial do Governo, assim como a exoneração do diretor-nacional, tendo exigido explicações à ministra Margarida Blasco: «Após oito meses no cargo de diretor-nacional, foi com enorme surpresa que este sindicato recebeu a notícia sobre a nomeação no mais alto dirigente desta força de segurança. O senhor superintendente-chefe José Barros Correia pautou o seu mandato pela honradez e lealdade para com os polícias que consigo servem a PSP (…). Numa altura crítica para a PSP, na qual se procura a estabilidade profissional dos polícias, nomeadamente pela redução dos índices de desmotivação, através da valorização profissional e remuneratória e da implementação de políticas de incentivo ao recrutamento, pois apenas com polícias motivados será possível almejar qualquer tipo de reorganização da PSP não deixa de ser estranho que a primeira medida concreta da Sr.ª MAI seja a exoneração do Diretor Nacional da PSP, que no pouco tempo em funções procurou ativamente atingir tais desideratos». 

Uma proposta insólita

O Governo teve uma entrada a pés juntos na primeira reunião com a Plataforma, no dia 2 de maio, propondo, no fundo, apenas um 15.º mês para todos, ficando muito longe do equivalente ao subsídio de risco atribuído à PJ pelo anterior Executivo. Os cálculos foram tão mal feitos, que às críticas de que alguns agentes acabariam por receber menos, o Governo escreveu: «São falsas as desinformações sugerindo que alguns profissionais poderiam perder rendimento»! 

Se as desinformações eram falsas… 

Entretanto, à hora de fecho desta edição, chegou o comunicado da Plataforma que sugere uma nova proposta para ser discutida na próxima reunião com a ministra, exigindo paridade entre os «atores do Sistema de Segurança Interna». Sendo assim, querem um suplemento de risco de cerca de 1700 euros para o diretor nacional, indo os restantes subsídios dos 1600 euros até aos 905, este apenas para as carreiras subsistentes. E exigem também que a medida tenha efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2023. As negociações prometem ser duras… Para Bruno Pereira, as contas são simples. «Ou a senhora ministra vem com uma contraposta digna ou então acabavam-se as negociações. Não vamos dar continuidade às negociações. Temos que optar por outras vias de protesto e de negociação. Não tenho de deixar de negociar o assunto. Há outras formas», diz. E isso significa o quê? Que as manifestações regressam? «Muito provavelmente. Então os polícias andam há seis meses à espera disto… Ou temos uma resposta cabal ou vamos deixar de ter mão».

Nomeações polémicas

Voltando ao divórcio entre a ministra e Barros Correira, o Nascer do SOL sabe que Margarida Blasco não gostou das últimas nomeações, uma das quais de 11 de março. A ministra terá sido avisada pelos seus amigos dos serviços secretos que Barros Correia estava a nomear para cargos importantes oficiais ligados, todos eles, ao SNOP. Um exemplo dado por fonte policial refere-se ao subintendente Tiago Costa Torres Gonçalves, que foi designado, a 11 de março de 2024, para uma comissão de serviço de três anos, diretor dos Serviços de Administração do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna da PSP. Dois dias depois, o mesmo diretor nacional, Barros Correia, faz outro despacho a nomear Tiago Costa Torres Gonçalves chefe da divisão de Gestão Administrativa e Carreiras do Departamento de Recursos Humanos da Direção Nacional, por um período de três anos.

Tiago Gonçalves foi o representante do SNOP que a 15 de dezembro do ano passado foi a Belém dar conta dos problemas da PSP e da GNR a Marcelo Rebelo de Sousa… No fundo, Barros Correia é acusado de estar a colocar os sindicalistas nos cargos mais importantes, falando-se também que chegou a sugerir à ministra o nome do superintendente Resende da Silva, anterior presidente do SNOP, como oficial de ligação ao MAI… Pelos vistos, Margarida Blasco começou a sentir-se ‘apertada’ e decidiu «cortar o mal pela raiz», como diz um superintendente ao Nascer do SOL. A entrevista que Barros Correia deu à TSF e ao DN serviu na perfeição para a substituição, pois o diretor-nacional, mais uma vez, colocou-se totalmente ao lado da luta dos polícias.

Para Bruno Pereira, isto a ser verdade é escandaloso, pois Barros Correia foi o primeiro presidente, «com muito orgulho», do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia e que não faz qualquer sentido não poder nomear pessoas para determinados cargos só por pertencerem ao sindicato.

«A ser verdade, não sei de onde isso veio, mas se for assim, a leitura que se pode fazer é que a ministra é antidemocrática. Então agora não se pode desempenhar determinadas funções por se pertencer a um sindicato?», questiona.